BOM DIA, JESUS

7 de abril de 2023 - 06:49, por Claudefranklin Monteiro

Bom dia, Jesus…

Nem vou perguntar como passou esta virada de quinta para sexta-feira. O final de tarde, já foi por si só tenso, mesmo tendo realizado a última ceia com seus discípulos, às voltas com as disputas tolas sobre os melhores lugares a serem ocupados e com os rompantes de Pedro, que se recusava a deixar que o Senhor os lavasse os pés.

Há muito tempo, desde menino para ser mais exato, sempre me interessou como foi aquela madrugada. Como esteve na prisão, depois de ter sido entregue no Horto das Oliveiras, ter sido humilhado e maltratado fisicamente, afora o fato de ter sido abandonado pelos seus e até negado, por Pedro, por exemplo, por três vezes. Definitivamente é um apóstolo singular em tudo, seja no humano, seja no plano espiritual. Não é à toa que o Senhor o designou como o cabeça da Igreja, sobretudo para confundir os presunçosos, ainda tão numerosos em nosso tempo e em seus templos.

Jesus sob Pôncios Pilatos (cena do filme Paixão de Cristo – Mel Gibson, 2004)

Sem visitas familiares, certamente curtiu a solidão mais dura, com suas primeiras feridas e hematomas latejando no corpo e reverberando na alma. Digo isto, porque suaste sangue quando se viu diante da realização do seu gesto de amor. O peso da existência humana lhe foi sentida como a qualquer um de nós, pobres mortais. Resoluto, nem sei se realmente dormiu ou cochilou, aguardando o dia amanhecer e viver toda a sequência de acontecimentos que já sabemos há quase dois mil anos. Uma história contada e recontada através dos tempos, atemporal e sempre desconcertante e comovente.

Para além dos quatro evangelhos, fontes primárias e seguras para todo cristão, há outras formas de expressão que traduzem aqueles acontecimentos que vão da Santa Ceia à Crucificação, Morte e Ressureição de Jesus, o chamado Tríduo Pascal. Afora os inúmeros filmes e peças teatrais, destaco a importância de alguns livros científicos, romances e até mesmo outras peças de ficção literária que dão conta de mostrar a grandeza da missão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Permitam-me destacar uma, em especial, que mistura de forma singular ficção e realidade. Refiro-me à Operação Cavalo de Tróia, do escritor espanhol J. J. Benitez. Trata-se, de modo particular, do volume 1, do qual destaco a seguir algumas passagens que nos são importantes para refletirmos sobre esta Sexta-Feira Santa.

Retomemos aquela noite de quinta-feira e madrugada de sexta-feira. Vejamos como Cristo foi preso. No adiantar da noite, longe dos olhos do público, num lugar ermo, tomado de assalto pela traição de Judas Escariotes. Seguido de todo o processo de tortura física e moral, conduzido pelos doutores da Lei e autoridades religiosas da época, que levou madrugada a dentro, mantendo-se sereno e calmo, “(…) sem a mais débil sombra de orgulho ou vaidade (…) como um homem podia manter a calma quando tudo apontava para uma provável sentença de morte”, destaca J. J. Benitez na página 409, da edição de 2010.

Aqui, uma pausa para refletirmos sobre sua mãe. O que teria sucedido a ela naquele tenebroso intervalo de horas? Como estaria se sentido Nossa Senhora? Viúva, mãe de filho único, trazia na alma a dor de vê-lo preso e julgado injustamente, sem poder fazer nada e sequer aproximar-se. Que aflição não teria passado! Somente as mulheres e as mães são capazes de traduzir. Bem tinha razão o velho Simeão que profetizara: “E quanto a ti, uma espada de dor transpassará a tua alma (Lc 2, 35)”; ou ainda “Este menino será causa de queda e de reerguimento para muitos em Israel” (Lc 2, 34).

A julgar por tudo que se escreveu sobre Jesus Cristo, aquela madrugada foi marcada por grande tormento. As autoridades judaicas buscavam e forjavam motivos e tinham pressa em levá-lo à morte, antes da Páscoa. Que contrassenso! Como podia homens se autodenominarem filhos de Deus e matarem o seu filho mais amado? Nem sequer reconhecê-lo como o Messias anunciado pelas profecias, pois isto poderia pôr em risco suas posições privilegiadas. Orgulho, soberba e vaidade. Nada mais do que isso. Víboras de coração duro, preocupados com as aparências e perdidos em suas futilidades.

Aquele amanhecer da sexta que hoje chamamos de Santa, para J. J. Benitez, certamente não teve o mesmo frescor como nos dias anteriores (p. 402). Inclusive, os Evangelhos mostram a simbiose que existiu nas horas que se seguiram até a morte de Jesus. A temperatura baixou, o dia estava acinzentado e feio. Num dado momento, foi tomado por uma escuridão. Houve ventos fortes e tremores de terra. Alguma dúvida que aquele homem era realmente filho de Deus? Acreditem, até para os que o viram ressuscitar Lázaro, duvidaram e não creram, por exemplo: Tomé e Judas, o traidor. O pivô de todo enredo que levou Jesus à morte e morte de Cruz.

Antes de seguir, permitam-me também destacar a Cruz. Sim, agora grafada com letra maiúscula. A mais cruel, severa e humilhante forma de que os romanos se valiam para castigar aqueles que lhe eram ameaça. O horrendo madeiro foi ressignificado por Jesus e se transformou em símbolo de salvação. O que me faz lembrar da seguinte passagem do livro de Apocalipse 21,5: “Eis que eu renovo todas as coisas”. Como bem frisou o padre Zezinho na canção “Nova Geração” (1973): “No peito, eu levo uma Cruz; no meu coração; o que disse Jesus”. Aliás, no Ato da Sexta-Feira Santa, há um momento em que o sacerdote percorre a nave central, despindo a uma imagem do Crucificado, repetindo três vezes o verso que diz: “Eis o lenho da Cruz, do qual pendeu a Salvação do Mundo”.

Certamente, Jesus não teve um só momento de alívio naquele espaço de tempo, pois foi levado e exposto, desde a prisão no Horto das Oliveiras, a uma série cruel de escárnios, diante de autoridades da época. Primeiro às autoridades religiosas, Caifás e Anás, depois a Pilatos, em seguida ao rei Herodes, aquele mesmo que por capricho de sua enteada, Salomé, mandou cortar e colocar a cabeça de João Batista numa bandeja. Depois, novamente, ao governador da Judéia, representante de Roma, o vacilante, fraco e vaidoso Pôncios Pilatos, o qual lavou as mãos e entregou, também de bandeja, agora no sentido figurado, às autoridades judaicas para a sentença mortal. Como acontece a muitos inocentes em nosso tempo, uma coisa é fato: do início ao fim, o julgamento de Jesus foi corrupto, infringindo as leis de Roma e as leis judaicas.

Aquela manhã, definitivamente, não foi nada agradável e, humanamente, até para os seus mais próximos não anunciava nada de bom. Jesus sofreu todo tipo de ignomínia. Para J. J. Benitez: “(…) os ultrajes e ataques à dignidade são piores do que golpes ou torturas propriamente ditos” (p. 416). E Cristo experimentou toda uma série delas, transfigurando seu corpo de alto a baixo, como profetizara Isaías 52, 13-14: “Ei-lo, o meu servo será bem-sucedido; sua ascensão será ao mais alto grau. Assim como muitos ficaram pasmados ao vê-lo – tão desfigurado ele estava, que não parecia ser um homem ou ter aspecto humano”.  

Em que pese todas essas coisas, eis que estamos aqui mais uma vez. Ano após ano para fazer memória da Salvação. Como diria um sacerdote por esses dias, por meio de uma rede social: “Não tenham pena de Jesus. Tenham pena de vocês. Foi por nós que Ele morreu”. Para além de ficarmos às voltas com comiserações muitas vezes mesquinhas e cênicas, nos atentemos no que efetivamente basta: seu perecimento foi o maior gesto de amor de um Deus por suas criaturas, jamais visto em qualquer outra forma de religião.

E tudo isto, já seria suficiente, para com grande economia de palavras, nesta Sexta-Feira Santa, em tom sincero de gratidão, sobretudo em suas primeiras horas, onde o sol vem renovar mais uma vez nossas vidas: BOM DIA, JESUS!

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