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Valmir de Francisquinho não deve recuperar votos anulados, diz conceituado site jurídico
15 de outubro de 2022 - 20:20, por Redação
A eleição para o governo de Sergipe ficou marcada por uma distorção que será objeto de estudo dos especialistas no assunto por muito tempo. Após indeferir a candidatura de Valmir de Francisquinho (PL), o Tribunal Superior Eleitoral julgou os embargos de declaração contra o acórdão em que o condenou por abuso de poder econômico e resolveu absolvê-lo, tornando-o elegível novamente.
Para complicar ainda mais o enredo, Valmir foi declarado inelegível apenas três dias antes do pleito. Por falta de tempo hábil para a retirada do seu nome das urnas, ele continuou disponível para votação e foi o mais votado para o cargo. O resultado: 457 mil votos anulados.
O senador Alessandro Vieira (PSDB) — que participou da eleição e acabou na terceira colocação — já estuda a possibilidade de apresentar um projeto de lei que evite esse tipo de distorção.
“O que ocorreu nestas eleições em Sergipe escancara que precisamos falar sobre o Judiciário, como venho alertando desde 2019. A história de Sergipe passa a ser marcada por um golpe político.”
A revista eletrônica Consultor Jurídico ouviu eleitoralistas sobre o caso sergipano com a intenção de responder uma pergunta: agora que foi novamente considerado elegível, o candidato pode recuperar os votos que recebeu no dia 2 e, assim, disputar o segundo turno? A resposta é não.
Isabel Mota, advogada especialista em Direito Público e Direito Processual Eleitoral, descarta uma nova reviravolta no pleito de Sergipe.
“Primeiro é necessário destacar que o candidato em questão não concorreu na condição sub judice. Se fosse esse o caso, os votos seriam, sim, validados caso ele conseguisse reverter, posteriormente, a decisão que julgou procedente a sua impugnação e o considerou inelegível. No caso, no entanto, não foi isso o que ocorreu.. O registro dele foi indeferido em última instância, que é o TSE, e ele estava nessa condição no dia da votação”, diz ela.
A advogada pondera que a votação do candidato só foi possível por uma questão operacional que inviabilizou a exclusão de seus dados das urnas eletrônicas.
“O que a lei diz, e de modo bastante expresso, é que as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade serão aferidas no momento do registro e, ao tempo do registro de candidatura, o então candidato ao governo do estado de Sergipe se encontrava na condição de inelegível porquanto enquadrado numa das hipóteses da Lei das Inelegibilidades (a LC 64/90) que impedem a candidatura daqueles que nela se vejam incursos.”
Lígia Vieira de Sá e Lopes, analista judiciária do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, explica que o problema reside no atual entendimento decorrente da literalidade do artigo 1º, inciso I, alínea “d”, da Lei 64/90, que, nos casos de abuso de poder, autoriza a declaração de inelegibilidade mesmo antes do trânsito em julgado quando existir decisão proferida por órgão colegiado, ainda que com pendência de recurso.
“Ou seja, no caso julgado, o candidato não estava concorrendo efetivamente porque o julgamento por órgão colegiado afastou a condição de sub judice da sua candidatura e anulou os votos percebidos. Contudo, existe espaço para entendimentos jurisprudenciais inovadores, diante dessa ‘recuperação’ de elegibilidade. Há de se avaliar com cautela se haverá ou não incidência do artigo 224 do Código Eleitoral (que trata das hipóteses de anulação do pleito)“, argumenta ela.
Emma Roberta Palú Bueno, por sua vez, reforça que a situação de Valmir de Francisquinho é muito específica. Ela explica que quando ocorreu o julgamento do registro de sua candidatura no Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe (e, posteriormente, no TSE), ele ainda possuía uma hipótese de inelegibilidade, já que havia sido condenado por órgão colegiado em uma ação de investigação judicial eleitoral, conforme diz o artigo 1º, I, “d”, da LC 64/90.
Porém, logo depois da eleição essa ação foi julgada improcedente no TSE, em sede de embargos de declaração com efeitos infringentes, afastando, portanto, a inelegibilidade do candidato.
“Se o processo de registro de candidatura ainda estivesse em trâmite — ainda que no TSE —, ele poderia informar que a causa de inelegibilidade foi afastada, não impedindo mais o deferimento de seu registro. Contudo, o processo de registro já havia tido o trânsito em julgado certificado e o único meio viável seria questionar a questão por meio de uma ação rescisória eleitoral, que tem previsão no Código Eleitoral, já que tratava-se de afastamento de inelegibilidade logo após findado o processo de registro”, explica ela.
Segundo a advogada, contudo, ter sucesso por esse caminho não é fácil, visto que as hipóteses de cabimento da ação rescisória eleitoral são muito específicas e existe entendimento consolidado de que os documentos e as decisões advindos posteriormente ao trânsito em julgado não podem ser utilizados para respaldar o pedido.
A advogada Ângela Cignachi Baeta Neves, sócia do escritório Demarest Advogados, vai na direção oposta à das colegas. Para ela, ainda é possível, sim, que Valmir dispute o segundo turno. “Acredito que a defesa do candidato irá tomar as medidas judiciais cabíveis para estender os efeitos da decisão proferida pelo TSE no sentido de validação dos votos dados a ele no último dia 2 de outubro. Não é possível que, por uma filigrana jurídica, sejam jogados no lixo praticamente 500 mil votos”, opina ela, que defende que o princípio da soberania popular, consagrado na Constituição, deve prevalecer.
Possibilidade de reparação
Outro ponto que gera dúvidas no caso de Valmir de Francisquinho é a possibilidade de indenização a um candidato que teve 500 mil votos anulados, o que pode ser interpretado como um dano irreparável. Lígia Vieira de Sá e Lopes acredita que há motivos, sim, para ele ser indenizado.
“Uma vez que há subtração do exercício de um direito fundamental pelo candidato e eliminação da soberania popular, usurpada dos eleitores que o escolheram, há dano ao candidato e dano à sociedade.”
Já Isabel Mota não acredita que o caso tenha provocado um dano indenizável, uma vez que o candidato era efetivamente inelegível no dia da votação.
“Contudo, à luz das peculiaridades do caso concreto, tal fato pode ser levado à Justiça comum para aferir a quem poderia ser conferida eventual responsabilidade pela demora no processamento do feito que gerou a inelegibilidade, se houve demora irrazoável, ou se houve postergações por parte da defesa ou mesmo da acusação que ensejaram ou concorreram para que um processo iniciado em 2018 só tenha encontrado seu termo final em 2022, e que tal demora tenha sido tão gravosa que gerou a exclusão prematura de um candidato que poderia ter validamente concorrido ao pleito com sua situação devidamente assentada.”
É preciso mudar a lei?
O advogado Arthur Rollo acredita que não é necessário alterar a legislação eleitoral para evitar o que ocorreu em Sergipe. Ele lembra que já existe previsão legal de que todas as ações que podem culminar em inelegibilidade devem ser prioritárias. “Isso não teria acontecido se o mérito do recurso que deixou o candidato inelegível tivesse sido apreciado antes do registro da candidatura.”
Emma Palú Bueno compartilha do mesmo entendimento. “No Paraná aconteceu situação parecida com o candidato a deputado estadual Renato Freitas (PT), que havia sido cassado pela Câmara Municipal de Curitiba e, por isso, teve seu registro inicialmente indeferido pelo colegiado. No curso do julgamento de embargos de declaração, adveio decisão do Supremo Tribunal Federal anulando o decreto cassatório da Câmara, o que foi informado nos autos e gerou o reconhecimento do afastamento da hipótese de inelegibilidade e o posterior deferimento do registro.”
Ângela Baeta Neves também não vê necessidade de mudança na legislação, mas afirma que a demora para o julgamento definitivo das ações eleitorais, principalmente aquelas que cassam mandatos e declaram inelegibilidades, gera insegurança jurídica. “O ideal é que o julgamento dessas ações seja concluído antes do período eleitoral, para se evitar situações como essa.”
Já Lígia Vieira de Sá e Lopes destoa dos especialistas ouvidos pela ConJur nesse ponto. “Entendo que a legislação deva ser alterada, em seu artigo 1º, inciso I, alínea “d”, da Lei 64/90, para que a inelegibilidade só possa ser decretada, ou ao menos só surta efeitos, quando não houver mais pendência recursal, com destaque de proteção aos direitos de votar e ser votado, mas ao mesmo tempo protegendo o pleito e o trâmite processual eleitoral de mecanismos procrastinatórios.”