Rafael Batista, a Deus o que é de Deus

9 de maio de 2021 - 09:14, por Claudefranklin Monteiro

            “É tão estanho, os bons morrem jovens”. Com essa conhecida expressão de Renato Russo, inicio uma crônica que não gostaria de escrever, sobretudo pelas circunstâncias que a envolve. Entretanto, não encontrei melhor forma de dizer algo, num momento em que às vezes não dizer nada é o maior conforto para as almas dilaceradas pela perda. Mais uma vida é ceifada de nosso convívio pela COVID-19, mais uma promissora vida nos deixa tão cedo, quebrando a lei natural dos filhos sepultarem seus pais.

            Assim foi com Nossa Senhora, que piedosamente suportou ver seu único filho ser retirado de seus braços vivo e lhe devolvido morto, no seu colo sagrado. Hoje, dia das mães, domingo, mais um filho é devolvido a sua mãe para que esta e seu pai entreguem a Deus, porque é a Ele que pertence desde quando nasceu, no dia 22 de dezembro de 1991, há poucos vinte e nove anos. Depois de uma via crucis de mais de quarenta dias, na luta contra o vírus, ele foi corajoso e agora, como o apóstolo Paulo, depois do bom combate e guardando a fé, recebe a coroa da glória eterna: nos braços e no colo de Nossa Senhora da Piedade.

Na transmissão do Novenário, em setembro de 2020

            Conheci Rafael Batista ainda muito menino. Coroinha, às voltas com as coisas da Igreja. Foi aluno de Patrícia Monteiro, uma de suas professoras de História no Colégio Nossa Senhora da Piedade, das Irmãs Franciscanas do Bom Conselho, em Lagarto. Aliás, a História era uma queda dele, mas acabou enveredando pela ciência jurídica, tonando-se advogado, profissão que vinha exercendo com muito esmero, como tudo que se prontificou a fazer e para o qual era acionado.

            Tivemos um embate saudável por ocasião da reforma do Santuário, à época do padre Raimundo Diniz. O episódio nos aproximou e nos tornou amigos. Ele, sempre respeito para comigo, me chamava de “senhor” e por ato falho, até de “padre”. Muito generoso, foi fundamental para o levantamento de fontes de minha tese de doutorado e também de outras pesquisas que desenvolvi tendo a Igreja Católica como tema. Fiz questão de agradecê-lo em meu livro “Contradições da Romanização no Brasil”. Lembro até hoje a reação dele quando viu seu nome no livro: seus olhos brilhavam e seu sorriso ia de uma orelha à outra.

            Servimos juntos como Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística. Na verdade, nossa turma aprendeu muito com ele, principalmente a parte litúrgica e a como nos portar no altar. Por ocasião do treinamento para as Exéquias, ele se fez de morto. Difícil manter a concentração. Imaginem a cena. Ainda mais, quando o padre Josimar chegou do nada a simular um ente querido aos prantos. Ninguém se aguentou e até o “morto” se levantou a dar sua inesquecível gargalhada.

            Se Rafael Batista não tivesse sido advogado, seria muito bem-sucedido como comunicador e humorista. Impossível ficar triste perto dele. Aqui, lembro de duas situações das quais seus familiares e amigos jamais vão esquecer. Uma, durante o Novenário e Festa de Nossa Senhora da Piedade, em setembro de 2020. A transmissão do evento pelas redes sociais foi um sucesso, pois Rafael conseguiu imprimir seriedade e humor, principalmente quando dizia: “ei, você que está comendo durante a Missa. Pode não, viu?” Falando conosco, olhando diretamente para câmera, em situações as mais diversas, tirando sempre um sorriso, até dos mais rabugentos.

            Em outra situação, num vídeo que gravou com a mãe para o Instagram, no dia 20 de março deste ano, no estilo TikTok, dizia que acordava cedo, fazia inúmeras coisas em casa. Lá pela tantas, olhava para dona Elza pedindo que ela concordasse com a narrativa, no que ela, já rindo, lhe perguntava: “quando? Quando você começar a falar a verdade?”. Um momento hilário, ao estilo de Rafael Batista, que rendeu mais de 130 comentário e inúmeros likes.

Com sua mãe, dona Elza Batista, em seu aniversário de 29 anos – 22.12.2020

            Esse será o grande legado de Rafael: a alegria. Com ela, ele evangelizou a muitos e cativou a mim, que hoje lamenta profundamente por sua partida para o céu, tão prematuramente. Com o tempo, descobri que temos muito em comum: sua mãe, dona Elza, era amiga de meu irmão mais velho, o saudoso Cláudio Monteiro; e o seu pai, Antônio (o Bolotão), serviu na Marinha com meu segundo irmão mais velho, o capitão Claudemir Monteiro.

            Laços familiares, laços de amizade, unidos pelo Cristo e pela devoção à Nossa Senhora da Piedade. Seu grande amor, além de Larissa, sua noiva. Pela Paróquia Nossa Senhora da Piedade, ele deu a sua vida, doava cada momento, na Liturgia, na Comunicação, preparando os coroinhas e, mais de perto, nos cemitérios. Vinha desenvolvendo um trabalho digno de louvor, dando assistência aos nossos sacerdotes e à comunidade. Era, incorrigivelmente, eficiente e dedicado. Não media esforços para servir e amar.

            Em abril de 2020, participamos de um dos programas da TV Sergipe, contando a história do Cemitério Senhor do Bomfim. No final do ano passado, juntos, com outros autores, lançamos o livro que celebrou os sessenta anos da Diocese de Estância. No dia do lançamento, estava ele lá, com dona Elza e Larissa, feliz da vida, orgulhoso por seu primeiro trabalho como escritor e historiador. Recentemente, eu, ele e Alexandre Fontes estávamos organizando um material editorial para a Piedade, previsto para dezembro deste ano. Seu tema seria: a imagem de Nossa Senhora da Piedade.

Lançamento do livro comemorativo dos 60 anos da Diocese de Estância
Com Alexandre Fontes e Claudefranklin Monteiro – 11.12.2020

            Nas últimas semanas, uma corrente de oração tomou conta da cidade. Diariamente, eu recebia notícias de seu estado de saúde, seja pela mãe, pelo hospital São Lucas e até mesmo por Alexandre Fontes e Renato, um de seus muitos amigos de jornada. Confesso que tinha esperança, principalmente quando soube que abriu os olhos e reagiu ao ouvir alguns áudios de mensagens com positividade para ele. A última vez que nos falamos, ele já estava internado. Era o dia 27 de março. Por Whatzapp, me disse num áudio ofegante: “Obrigado professor. Reze por nós”.

            Observem o que ele me pediu: “reze por nós”. Não o disse “por mim”. Isto revela o que foi Rafael Batista, revela sua índole e toda a criação que recebeu em casa e na Igreja. Naquele momento, ele não pensava nele, mas em nós. No outro, como preconiza a nossa fé.

            Fui informado agora logo cedo, pela manhã. Acordado por minha esposa que dizia que não tinha boas notícias sobre Rafael. Ele havia falecido na madrugada. Meu coração se encheu de tristeza. Sentiremos muito a sua ausência. Por outro lado, fervoroso que era, teve o privilégio de ser recebido com alegria no céu. Não tenho dúvidas disso! Tendo vivido seu calvário, ele agora irá gozar do amor de Deus em sua presença.

            Minha saudação toda especial aos amigos e familiares, que como eu, no dia de hoje lamenta e pranteia. De modo particular, me dirijo a dona Elza. Mulher forte e perseverante. Obrigado por nos dá Rafael de presente, pela alegria de viver com ele esses poucos anos. Hoje é colhido para alegrar ainda mais o céu. E nessa certeza de nossa fé, eu lhe abraço e lhe conforto, pois sabemos que a Deus, o que é de Deus.

Com a professora Larissa Libório, sua noiva. Festa da Piedade, setembro de 2020.

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