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CONTE A SUA HISTÓRIA, JOSÉ UESELE
26 de novembro de 2020 - 11:32, por Claudefranklin Monteiro
Eu o conheci de uma forma inusitada. Primeiro dia de aula do ano 2000, de uma de minhas turmas do Ensino Médio do Colégio Estadual Professor Abelardo Romero, em Lagarto-SE. Ele estava sentado nos fundos, com óculos escuros e sorriso aberto, como quê a debochar da vida. Os alunos estavam ansiosos e levaram um certo tempo para se acomodarem.
Eu não estava bem naquele dia e lhe perguntei sobre o porquê dos óculos. Ele não respondeu e logo o sorriso se desfez. Ao final da aula, timidamente foi ao meu encontro e se desculpou pelo mal-estar, dando ao meu conhecimento um problema nos olhos.
Foi uma das maiores lições que recebi em sala de aula em toda a minha carreira de professor. O estranhamento inicial se transformou, ao longo dos anos, numa grande amizade e numa admiração mútua.
José Uesele Oliveira do Nascimento é natural de Paripiranga-BA, aos 11 de janeiro de 1984. Filho de uma família sertaneja do Baichão de Carrulino, de oito irmãos, cujo pai é o senhor Mário Santos Nascimento e a senhora Elenita Santos Oliveira Nascimento.
Sobre a infância, nos diz:
Tive uma infância feliz na companhia de minha mãe e de meus irmãos, meu pai trabalhava durante os meus primeiros anos numa empresa de ônibus como cobrador de passagens fazendo linha Sergipe-Bahia, enquanto minha mãe cuidava da casa e dos filhos.
Mudaram para Lagarto quando tinha um ano de idade e teve sua formação escolar inicial no Grupo Escolar Senador Leite Neto e no Colégio Estadual Nossa Senhora da Piedade. No Colégio Estadual Abelardo Romero Dantas, fez a segunda parte do Ensino Fundamental e o todos o Ensino Médio, entre 1990 e 2002. Sobre o problema visual que ele me apresentou há vinte anos, trata-se de uma limitação, advindas de cicatrizes coreorretinianas de natureza congênita.
Uesele nos explica melhor a sua condição:
A Coreorretinite é uma limitação que me acompanha desde o meu nascimento, de origem congênita esta inflamação ocular afetou a retina e a rotina de dois tios e dois irmãos meus. Desde que entrei no primário e durante toda a minha trajetória escolar minha mãe Elenita Santos me levava até a escola para atravessar a pista e solicitar a direção das escolas por onde passei que eu sentasse na frente para melhor visualizar a lousa. Mesmo com as dificuldades visuais alcancei algumas proezas que até hoje me orgulham e aos meus familiares. Na 2ª série do Fundamental I ganhei um Concurso de Redação promovido pela Secretaria Municipal de Educação, no ano de 1993, com o tema História de Lagarto, também comecei a fazer Teatro na escola por incentivo das minhas professoras (Tia Gilvanete, tia Arlene, Tia Eliane, Tia Marli e Tia Piedade), quando participei de um Festival de Artes no Polivalente com a peça O Vagabundo (1995), para além de ser aprovado com as maiores médias anuais das turmas pelas quais passei. Minha trajetória de portador de necessidades especiais num contexto no qual o debate sobre a inclusão ainda era exíguo, me reservou alguns traumas, pois sempre fui um aluno tímido que se revelava nas apresentações de seminários e apresentações de projetos no pátio da escola (os colegas me tinham como orador da turma e eu acabava exercendo uma liderança natural nos grupos de trabalho). Por pelo menos duas ocasiões fui abordado por professores e pela direção questionando sobre minha limitação e principalmente por que usava óculos escuros – à época o uso era uma recomendação médica – porém fui taxado de aluno malandro/vagabundo pelo estereótipo de usar óculos escuros na sala de aula (o que não era nada comum), uma professora no Ensino Médio chegou até solicitar laudo médico para que eu pudesse sentar nas carteiras da frente. Confesso que cheguei a chorar por conta desses questionamentos. Devo registrar que tive amigos que seguraram minha barra sendo verdadeiros anjos de luz em minha travessia nas ruas e ao me emprestarem o caderno para copiar a matéria semanal de Matemática, Química e Física, pois não conseguiu enxergar os assuntos que os professores colocavam no quadro (nas referidas disciplinas me tornei meio autodidata), o amigo em questão era o contemporâneo de estudos Renato Araújo que hoje continua sendo um parceiro de sempre e é um baita professor. Ao ingressar na Faculdade no Curso de História (2004) também passei por alguns aperreios e quero registrar o nome de dois amigos que me ajudaram muito, Nilton César e Lucineide, o primeiro sempre me emprestava a matéria para copiar e me auxiliava na leitura e a segunda me auxiliava na leitura de filmes legendados durante todo o curso. Vale registrar que ao fim do Curso eu já estava lecionando com contrato no Frei Cristóvão (cobrindo a licença da Profª. Patrícia Monteiro) e também dava aulas na Fundação e no CJAV (portas abertas pelo professor e coordenador do Curso de História/FJAV, Claudefranklin Monteiro). Em 2008 conquistei duas premiações inesquecíveis para minha carreira docente e de acadêmico, o Prêmio Educação NOTA 10. E em 2012 me efetivei como professor da rede municipal e estadual de Ensino.
Uma história de superação, sobretudo quando se tornou um dos primeiros alunos do Curso de Licenciatura em História da Faculdade José Augusto Vieira, fundada em agosto de 2004. Na mesma instituição, fez Pós-graduação em Docência do Ensino Superior, entre 2008-2010. Na graduação, tive a honra de ser seu orientador seu Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado: “A formação do caráter nacional na obra História da Literatura Brasileira de Sílvio Romero”.
Em março de 2017, o portal Lagarto Notícias lhe deu destaque na matéria “José Uesele, um mestre que não se curvou diante das suas limitações físicas”, dando ênfase a sua defesa de dissertação de Mestrado em História pela Universidade Federal de Sergipe, aos 32 anos de vida, oportunidade em que, novamente, tive a alegria orientá-lo no trabalho “A História e a Cultura Festiva do Brasileiro nas Narrativas de Sílvio Romero (1883-1888).
Sobre a escolha da profissão, professor de História, assim descreve:
Sempre exerci um fascínio pela arte do ensinar desde minha tenra idade, acredito que educar é fundir mundos… é apontar caminhos para tornar o outro melhor. Minhas referências decisivas para a escolha profissional foram alguns professores do Polivalente (Abelardo Romero), dentre eles posso listar os que mais me encantavam não só pelo fazer docente mais pela forma de conduzir, de orquestrar uma sala de aula com doses de encantamento e ternura. Desse universo gostaria de citar 4 mestres que me deixavam extasiado e com aquela pontinha de… ‘um dia quero ser igual a ele(a)’: ANSELMO VITAL, CLAUDEFRANKLIN MONTEIRO, FERNANDO BEZERRA E SÔNIA NASCIMENTO (para mim eram seres encantados….)
Atualmente, José Uesele está na condição de professor readaptado (devido a complicações visuais), atuando como auxiliar de biblioteca e assistente em assuntos pedagógicos no Colégio Estadual Prof. Abelardo Romero Dantas. Ao longo de sua trajetória docente, lecionou as disciplinas Cultura Sergipana, Sociedade e Cultura (no Colégio Evandro Mendes e na Escola Manoel de Paula); História e Arte no Colégio Estadual Prof. Abelardo Romero Dantas (Ensino Médio); Memória e Patrimônio (na Faculdade José Augusto Vieira, em 2011/2); História Geral (no curso de Teologia do Instituto de Ensino Teológico, no município de Boquim (SE), em 2010. Atuou, ainda, entre 2015 e 2019, no quadro de professores dos cursos de História e de Pedagogia da Faculdade D. Pedro II (UNIDOM/SE).
Nos últimos anos, tem desenvolvido pesquisas no campo da historiografia local no Departamento de Arte e Cultura do município de Lagarto, na condição de Historiógrafo. Desenvolve trabalhos há mais de uma década nos domínios da História local com ênfase para as contribuições folclóricas romerianas e do entendimento do mesmo autor sobre a identidade cultural do Brasil oitocentista. O interesse pela obra de Sílvio Romero lhe rendeu alguns artigos, alguns deles publicados para a Revista da Academia Sergipana de Letras (no prelo) e para a Revista da Academia Lagartense de Letras. Em 2013, em parceria com o professor Renato Araújo, um de seus grandes amigos, publicou um capítulo do livro “Nos Bailes da Vida”, organizado por mim e pelo poeta Assuero Cardoso em homenagem aos 50 anos da Banda Los Guaranis: Uma sinfonia de memórias (pp. 57-68).
Sobre o apreço pela cultura popular, assim define:
Sou um entusiasta enraizado na vivência das tradições populares há pelo menos 17 anos como pesquisador e fazedor de cultura. Atuo no cenário das manifestações folclóricas lagartenses com o Grupo Louvor Sertanejo (desde 2003) e nas Artes cênicas local com o Grupo Cultural Tecendo a Manhã (desde 2005). Tive uma experiência significativa na área de comunicação social (por ter co-apresentado o programa de rádio Relicário Cultural, entre 2011 e 2013, pela Juventude FM, por meio do projeto de extensão da Universidade Federal de Sergipe coordenado pelo professor Dr. Claudefranklin Monteiro Santos). Além disso, desenvolvo projetos de iniciação teatral e de clubes de leitura com alunos do Colégio Polivalente, com destaque para formação de grupos de teatro amadores como o Oficina Viva (desde 2015) e o Arte do Caos (desde 2018), além de estar engajado em ações de protagonismo juvenil na mesma instituição, a exemplo das orientações aos clubes de protagonismo do Ensino em Tempo Integral por intermédio do clube Leitores sem Fronteira (fundado em 2018) e de também estar envolvido na organização da retomada do Concurso de Poesia Falada do Polivalente (desde 2016).
Em 2017, José Uesele Oliveira Nascimento foi nomeado para a Academia Lagartense de Letras (ALL), para ocupar a cadeira número 23, cujo patrono é o jornalista, orador e médico Joviniano Ramos Romero.
José Uesele é casado com Patrícia de Souza Fraga e é pai de um casalzinho lindo e esperto, Lorenzo e Celina, que preenchem seus dias com graça, amor e alegria. À propósito, o casal é meu afilhado de casamento, o que muito me alegra e emociona. Se autodefine como “um cara que busca a felicidade para si e para o seus” e que espera deixar como legado sua história de vida para seus filhos, com dignidade e que possam ser como o pai: um apaixonado pela vida.