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CONTE A SUA HISTÓRIA, KALIL
20 de agosto de 2020 - 10:20, por Claudefranklin Monteiro
Nos anos 90, quando eu estava naquela fase de definições para os rumos que deveria dar para a minha vida, tive uma fase de boemia. Frequentava bares, restaurantes e praças, cercado de poetas e artistas, a exemplo do amigo Assuero Cardoso. Entre um verso e outro, um gole gelado de cerveja, uma boa conversa e a madrugada por minha companheira última.
Lagarto era uma cidade, cuja vida noturna, dava passos cada vez mais largos. Havia várias opções, inclusive um barzinho para receber artistas locais ou mesmo alguns de passagem. Lembro, numa dessas aventuras etílico-culturais, de presenciar um show de voz e violão do cantor Xangai no palco da antiga e “finada” Associação Atlética de Lagarto (hoje restos e escombros, abandono e um estacionamento improvisado).
Foi nesse contexto da vida cultural de Lagarto que eu conheci José Carlos Silva dos Santos, popularmente conhecido como Kalil. Um dos mais talentosos músicos daquele tempo e que firmou com muita dignidade seu nome em nossa história. Kalil hoje é uma das mais importantes referências musicais lagartenses, ao nível de uma Banda Los Guaranis e do cantor Antenor Nunes, entre outros.
Kalil nasceu em Lagarto no dia 15 de fevereiro de 1967 e é filho do popular sapateiro, Sérgio Silva dos Santos. Curiosamente, um dos clientes fidelizados do Bar e Mercearia São José, de José Almeida Monteiro (meu pai). Sua mãe, Ana Ferreira de Santana, falecida recentemente. É o quinto filho de uma prole de oito rebentos, entre eles: José Sergio Silva dos Santos (o Serginho, desportista e empresário do ramo do futebol, inclusive em nível internacional), Maria Acácia Silva dos Santos, José Augusto Silva dos Santos, Maria Marcia Silva dos Santos, José Marcos Silva dos Santos, Maria Kátia Silva dos Santos e Maria Magda Silva dos Santos.
Kalil narra parte de sua infância em Lagarto com entusiasmo e alegria:
“Posso afirmar que vivi uma infância maravilhosa, lembro de todas as brincadeiras como bolinha de gude, brinquei bastante com bola de futebol, pano queimado, de se esconder, de furão, peão e outras mais. Nunca esqueço de quando um vizinho da gente, Seu Gregório, pedia pra levar os cavalos dele pra dar banho lá no rio machado, então eu chamava um colega da rua pra ir junto, era a maior alegria e o que eu gostava mais era quando chegava a hora de ir para a escola, a minha segunda casa, o Grupo Escolar Sílvio Romero. Outro episódio mágico, que não dar pra esquecer, era quando o trator do lixo passava na nossa rua. Então, começava uma guerra de laranjas podres que vinha do lixo, depois descia aquela galerinha pra tomar banho no poço de Zé de Paulo, onde hoje fica situado o Bairro Matinha. Devo isso tudo a uma grande família que me deu todo um suporte pra viver uma infância realmente mágica, lúdica e maravilhosa”.
Kalil fez os antigos Primário e Ginásio no Colégio Estadual Sílvio Romero e no Colégio Estadual Abelardo Romero Dantas (Polivalente). Atualmente, está em fase de conclusão do Curso de Música, na Universidade Federal de Sergipe, onde se destaca pela dedicação, pela habilidade artística e também pela exímia capacidade de se relacionar com os colegas e com os professores. A rotina semanal de Kalil entre estudos, vida pessoal e profissional, e viagem é digna de aplausos e serve de exemplo aos mais jovens que também vivem essas demandas do nosso tempo e que as vezes encontram desculpas para não investir um pouco mais de suas energias nos estudos. Aliás, em todas as conversas que tenho com o Kalil, ele ressalta a importância do conhecimento e lamenta não ter começado mais cedo.
O gosto pela música despertou logo cedo, da convivência com Serginho, seu irmão mais velho, que ensaiava e fazia exercícios musicais que trazia da Filarmônica Lira Popular de Lagarto. Aquilo criou nele o desejo de também aprender a tocar um instrumento e a conhecer e dominar as técnicas e as notas musicais.
Foi Sérgio, por quem nutre uma profunda gratidão, quem o levou para a Lira e o deixou aos cuidados do professor Siqueira. Kalil tinha doze anos de idade e começava ali uma trajetória que irá definir todos os seus passos na vida pessoal e profissional. A curiosidade e a disciplina marcaram o ritmo de sua aprendizagem:
“O primeiro instrumento que estudei era o que tinha disponível e ele [professor Siqueira] me deu uma requinta, depois de um ano, passei para o clarinete, e assim, permaneci por 4 anos. Em 1986, fui servir ao Exército, em Aracaju, onde participei da banda do 28º Batalhão de Caçadores, já tocando o instrumento trompete uma das maiores experiências que tive, uma oportunidade única, um ganho muito extraordinário a maior disciplina que um ser humano pode passar. Após 2 anos fora, retornei à Lira e continuei tocando o trompete, chegando ao posto de maestro, no qual permaneci por um ano”.
Durante os estudos na Lira, interessou-se pelo violão, presente do irmão Sérgio. Como não tinha na cidade uma escola ou alguém que pudesse ensiná-lo de forma técnica, recorreu ao improviso e ao autodidatismo. Vez ou outra trocava uma ideia com algumas pessoas que sabiam tocar o instrumento, no afã de dominar os acordes e escalas. Nesse sentido, Kalil afirma que sua grande escola foi a rua.
Kalil tinha pouco menos de 20 anos quando já tinha a habilidade necessária para tocar em bandas e ganhar dinheiro para ajudar em casa. De origem humilde, ele viu na música “possibilidades de sobrevivência e isto me abriu uma grande janela”, afirma. Desse modo, em 1988, decidiu por o pé na estrada e a se dedicar exclusivamente à carreira de músico profissional.
“A primeira banda em que toquei profissionalmente foi o grupo Revelações (Colônia Treze), depois vieram os Nômades (Boquim), Alma Latina Show (São Paulo), Banda Radar (Umuarama/PR), Violão de Ouro (Lagarto/SE), Destaque Musical (Lagarto/SE), Gold Times (Aracaju). Toquei, também, em barzinhos, fazendo voz e violão. O primeiro foi o Esquina Bar, Encanto do mar, Estação verão (Aracaju/SE), Copo Gelado (Aracaju), Cauaxe (Maringá/PR), Chop 4 (Maringá/PR) e etc”.
O grande erro de alguns músicos é se contentar com o “feijão com arroz”. A soberba ou preguiça não deixam muitos talentos aflorarem ou mesmo alçar novos voos. Kalil, ao contrário, tornou-se um aprendiz incansável. Típico amante do conhecimento. Nesse sentido, procurou se aperfeiçoar com a experiência adquirida na noite, mas também no Conservatório de Música, onde passou por três anos, cursando o básico e depois o técnico, formando-se em trompete. É um exímio trompetista. A convivência com os professores, a quem lhes é muito grato, lhe deu a condição e suporte necessários para ingressar na Universidade Federal de Sergipe.
Kalil é casado com Juscilene Cardoso da Silva, com quem teve o filho único: Kalil Luno Cardoso Silva. A família “dó-ré-mi”, todos amantes da arte musical, mantém em sua residência uma Escola de Música que vem formando novos talentos, alguns deles tendo despontado em nível nacional, como o cantor Joabe.
A escola foi criada com “o objetivo de incentivar aos jovens a estudarem música e a abrir possibilidades”. O cantor e músico lagartense leciona de forma bastante inovadora, sem regras fixas, de acordo com as condições de seus alunos, de diferentes idades e condições sociais: “(…) é com muita humildade que me coloco de forma aberta, compreensiva e com muita alegria a repassar a todos que vem até a mim em busca de conhecimentos”.
Sobre as origens do projeto, assim nos conta Kalil:
“Em primeiro pela carência que a cidade tinha e depois eu precisava fazer alguma coisa pra trabalhar, e o incentivo maior foi o meu querido e amigo o saudoso Aguimarom que me levou pra ensinar violão no polivalente e depois pra SOFISE, em Aracaju. Quando eu fui maestro da filarmônica, comecei a dar aula também de violão e assim começou a escola de música do Professor Kalil”.
Na Escola de Música, da qual eu e meu filho, Pedro Franklin, temos a honra e a alegria de fazer parte como aprendizes de instrumentos de corda, as pessoas podem se aventurar no violão, teclado, cavaquinho, ukulelê, guitarra, contrabaixo, flauta doce, violino, sax e trompete.
A habilidade professoral lhe permitiu viver outras experiências educacionais no campo da música, com passagens e contribuições em projetos no Colégio Nossa Senhora da Piedade (CNSP), onde também fez seu estágio supervisionado para a Universidade Federal de Sergipe; Fundação José Augusto Vieira; Escola Pequeno Príncipe; Escola das Irmãs Venerini e o PETI.
Kalil gravou dois CDs e tem uma série de composições de sua autoria. Se considera realizado na vida pessoal e na vida artística e extremamente grato pelas pessoas que Deus lhe colocou na vida e sobretudo por aquelas que acreditaram e investiram em seus sonhos e projetos.
“Sou um homem simples e de poucas ambições que gosta de um bom livro, um bom filme que gosta muito de ficar em casa e de estudar um instrumento, e de ficar as vezes sozinho contemplando a natureza e sonhando numa verdadeira transformação humana, e que o simples fosse realmente visto como o mais importante. Queria acordar num belo dia e ver músicos tocando em todas as esquinas e em todo comércio da minha cidade e que houvesse aula de música em todas as escolas do nosso Brasil”.
Kalil segue sendo uma figura presente nas festas e nos bares e restaurantes da vida. Não mais com aquele ritmo de antes, pois o corpo sempre cobra o preço de noites perdidas e dos excessos naturais da vida artística. Sujeito de papo descolado, crítico e de coração bom, cultiva hábitos simples como andar de bicicleta e ir a um sítio que tem nas proximidades da cidade, para ter o gosto de sentir a paz que o campo passa e a experiência de mexer na terra e vê dali brotar frutos que Deus nos oferece gratuitamente.
Ele sonha ainda em ver a Escola de Música Professor Kalil, no futuro, se transformar um conservatório. Para além de sua maestria musical e artística, penso que o grande legado que ele nos deixa é o seu humanismo, seu talento e sua arte em prol de todos, indistintamente. Penso que Kalil tem mais a nos ensinar do que a música, e, sobretudo, a arte de viver sem peso e sem medida.