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DIÁRIO DE UMA QUARENTENA (O Ébrio)
26 de abril de 2020 - 11:47, por Claudefranklin Monteiro
Ontem, no Arquivo N da Globo News, pude conhecer um pouco mais sobre a história de uma das maiores companhias cinematográficas do Brasil: a Cinédia. Criada em 1930, por Adhemar de Barros, marcou a indústria cultural do país, por mais de cinco décadas com inúmeros clássicos do cinema nacional, em sua maioria, preocupados em capturar a alma nacional, a exemplo do carnaval. Nesse sentido, destaco dois deles: Alô, Alô, Carnaval! (1936) e Berlim na Batucada (1944).
Adhemar de Barros se orgulhava de ter lançado a cantora Carmem Miranda, antes de seus balangandãs e acessórios alegóricos de cabeça. No filme Alô, Alô, Carnaval, ela se apresentou com Aurora Miranda numa emblemática interpretação da canção As Cantoras do Rádio. Mas o grande sucesso da Cinédia, sem sombra de dúvidas foi o filme O Ébrio (1946). De Gilda de Abreu e com a icônica participação do cantor Vicente Celestino. Tornou-se um dos maiores filmes do Brasil, tendo ficado em cartaz por duas décadas.
A primeira vez que eu ouvi falar do cantor foi no princípio da adolescência, quando conheci um de meus melhores amigos, o Bacharel em Direiro, Dr. Antonio Vicente Celestino Souza Bezerra, atualmente atuando na cidade de Salgado, onde mora com sua esposa e filho. Certa feita, ele me levou na chácara de seu pai, para conhecer o acervo completo, em LP, do cantor Vicente Celestino. Foi ali, numa vitrola muito antiga, que ouvi pela primeira vez O Ébrio.
Com Vicente Celestino, meu amigo, partilhamos outros gostos musicais, a exemplo dos Beatles, de que tratarei em outra oportunidade. Como memória é denotação de lembrança, não deu noutra. A audição da canção O Ébrio me recordou, como até hoje tem esse efeito, prontamente a minha infância e a letra me fez voltar no tempo com uma nitidez fascinante.
Vivi a primeira parte de minha infância num ambiente de bar. Meu pai, José Almeida Monteiro, era proprietário do Bar e Mercearia São José, em Lagarto, na esquina entre as ruas Senhor do Bomfim e Mizael Vieira. Um dos pontos mais frequentados da cidade, sobretudo pelos boêmios e chegados à jogatina. Ali, ficava durante quase todo o dia, mais do que em casa. Minha diversão era estar perto do meu pai, naquele ambiente onde o cheiro da nicotina, se misturava a outros odores, como cevada e carne fritada no óleo. Cheiros, sons e pessoas.
Pessoas das mais variadas condições sociais. Meu pai era vereador e, por isso, o lugar era também oportuno para se fazer boas tertúlias políticas (até adversários frequentavam) e calorosas conversas sobre futebol. Meu velho pai era um vascaíno apaixonado e alcançou os melhores esquadrões cruzmaltinos, alguns deles em posters decoravam as paredes do bar e um, em especial, chamava a minha atenção: o time de 1974, campeão brasileiro pela primeira vez. Detalhe: eu nasci naquele ano e isso, fora a paixão de meu pai, foi decisivo para me somar aos milhões de sofredores espalhados pelo país hoje.
Pois bem, foi ali, no Bar e Mercearia São José que pude conhecer e conviver com personagens diversos que certamente inspiraram O Ébrio. Algumas deles mal sabia o nome, de tão anônimos que eram e assim queriam ser, que se contentavam em tomar sua dose, por o chapéu na cabeça e seguir com sua solidão, com seu abandono e desprezo e julgamentos da sociedade.
Alguns deles eram mais comunicativos. Contavam suas histórias pra mim como se eu fosse um adulto. Eu tinha menos de dez anos. A partir dali, na escola do bar, aprendi a ouvir as pessoas, prestando atenção a cada detalhe delas, da forma de falar às expressões corporais, sobretudo do rosto. Da forma como levavam o cigarro (ou bagoga) à boca e também o copo de vidro.
Ainda lembro de cada detalhe daqueles tempos de bar e eles foram significativos para a formação da minha personalidade. É fato que não me tornei um ébrio, embora seja um apreciador da cerveja, não fumo (e nem recomendo), mas foi ali que passei a conhecer a vida de outra forma e atentar-me para os dramas da vida, mas também para a beleza do julgado como chulo, imoral ou indecente. No abandono do vício, histórias sofridas e mal resolvidas que só precisam de um ouvido em forma de ombro, se necessário na partilha de um copo.