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DIÁRIO DE UMA QUARENTENA (A Paixão)
10 de abril de 2020 - 20:37, por Claudefranklin Monteiro
“O vos omnes qui transitis per viam: attendite et videte si es dolor sicut dolor meus…”. (Oh vós que passais pelo caminho, olhai e vede se você está sofrendo como meu”. Este trecho do Canto da Verônica me remete às memórias que cultivo em meu coração dos inúmeros Atos de Sexta-feira da Paixão que já vivi em Lagarto, de minha infância até a presente data. Salvo um único dia, quando o Colégio Abelardo Romero Dantas foi assaltado e meu irmão, Cláudio Monteiro, à época Diretor da instituição precisou tomar as providências junto às autoridades policiais e eu tive que acompanhá-lo naquela infortuna ocasião.
O Canto da Verônica consiste num momento do Ato e da Procissão do Senhor Morto na Sexta-feira da Paixão, quando uma jovem ou senhora discorre um manto com o a estampa do rosto de Cristo ensanguentado. O trecho que selecionei no início dessa crônica está em Livro das Lamentações 1,12. Em Lagarto, durante anos, vi essa representação ser interpretada por Lourdes Xisto e depois por Dona Dionísia Lisboa. Atualmente, é feita por Solange. A tradição é muito antiga e revestida de grande significado.
Quando ouvi pela primeira vez a canção Um Certo Galileu, de Padre Zezinho (1975), entendi com muita clareza a importância da sexta-feira da Paixão, do Canto da Verônica e também da Ressureição. Entendi que a paixão aqui se dá no seu sentido mais puro: padecer em razão do outro, dá-se por inteiro, sem reservas. A Paixão de Cristo é a maior manifestação de prova de amor de um Deus por suas criaturas e olhe que a criação por si só já o havia sido.
Um Certo Galileu, em sua versão original, está divida em três partes. Na primeira, Jesus era apresentado como um jovem nazareno, que vinha com uma proposta nova e inusitada de amor, que ninguém podia imaginar, alguém que convencia pelas palavras e principalmente com as atitudes. Era uma autoridade em termos de amor. Em seguida, um profeta diferente, com um jeito amigo de se expressar, indo ao encontro dos necessitados, curando e operando milagres sem alardes e intensões de vanglória. Apenas por amor. Por fim, levado ao Tribunal, julgado, condenado e assassinado por que seu crime era ter tido tanto amor e deixado às autoridades da época desconcertadas e temidas com seu projeto concreto de redenção e salvação. Jesus mexeu com as estruturas e sob o peso delas padeceu voluntariamente, única e exclusivamente por amor.
Alguns amigos meus, que são agnósticos ou mesmo ateus tentam me constranger com duas perguntas: 1) que graça você vê em ser cristão? 2) porque você, sendo um homem culto e estudado, ama tanto um derrotado, alguém que morreu num dos mais humilhantes tipos de condenação da época: a cruz? E não bastasse isso, tripudiam de minha fé à luz da frase de Nietzsche: “Deus está morto”. Onde está seu Deus que não elimina da face da terra o coronavírus?
Não, meu Deus não está morto. Os homens, no alto de sua soberba, o mataram e seguem matando outras vezes. Não bastasse o escárnio que fizeram com seu filho, o desprezam nos invisíveis da sociedade. A Paixão de Cristo garantiu a minha liberdade de crer e a liberdade de quem não crer. Pois o amor de Deus não é imposto. Ele é dado em sacrifício, generosamente. A cada um a responsabilidade da escolha ou não. Eu escolho amar e acreditar, consciente que acima da minha inteligência, está alguém que é maior do eu e do que minhas limitações. Se a assim o fosse, não seria mortal. Se não me pego na Cruz, uma realidade de amor concreta, assim como Pedro, eu pergunto: a quem eu recorrei, se somente Ele tem palavras de vida eterna?
Chiara Lubich, no alto de sua sabedoria, ressalta e nos adverte a todos: “Ama Jesus crucificado em ti, nos infinitos matizes das tuas dores, mas ama-o, sobretudo fora de ti, nos irmãos, em todos os irmãos. Se entre estes puderes ter preferências, ama-o nos mais pecadores, nos mais miseráveis, nos mais marginalizados da sociedade, nos desgraçados”.
Certamente é ali, em meio aos vulneráveis, que o rosto de Cristo Crucificado resplandecerá e a sua fé terá sentido. Inclusive a sua falta de fé e a sua descrença. Se acha ainda que Ele está morto, vá ao encontro daqueles que Chiara destaca e não terá dificuldade de enxergá-lo. Quanto a crer, a decisão é sua.