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DIÁRIO DE UMA QUARENTENA (a solidão)
30 de março de 2020 - 20:41, por Claudefranklin Monteiro
No início da tarde da última sexta-feira, uma cena entrou para a história como uma das cenas mais dramáticas e, ao mesmo tempo, mais lindas que o combalido século XXI já viu. O protagonista da imagem foi o Papa Francisco. Num Vaticano desolado, numa noite fria e chuvosa, a maior autoridade do mundo católico e cristão dirige-se só e cambaleante para fazer um pronunciamento aos fiéis do mundo inteiro e de modo particular aos italianos, vítimas em potencial do avanço do coronavírus na Europa.
O Papa Francisco traduziu naquele gesto o sentimento do mundo e principalmente daqueles que por algum motivo estão ou se sentem só. Traduziu de modo muito particular a sensação de quem, desenganado pelos meios humanos, é colocado na solidão para morrer. Que gesto de solidão nobre não foi o daquele Padre italiano, Giuseppe Berardelli, de 72 anos, que abriu mão de seu respirador para salvar uma pessoa mais jovem. Solidão e salvação. Solidão, a ação de se encontrar ou de se encontrar numa solidão de amigos, como bem traduziu o cantor Jessé, em composição de Eunice Barbosa e Mário Maranhão. Ou ainda, do mesmo intérprete, num Porto Solidão, de João Antônio Ginco / Jose Ramos Santos: “A solidão que fica e entra / Me arremessando contra o cais”.
Como já notaram, o assunto de hoje é solidão. Para tanto, nesses tempos de confinamento, quando o que não falta é tempo para ler, quero lhes apresentar uma excelente e oportuna dica de leitura. É teórica, mas de linguagem acessível e compreensiva. Trata-se do livro A Solidão dos Moribundos, de autoria do sociólogo Norbert Elias, obra publicada em 1982 e de grande atualidade e importância para o tempo em que estamos vivendo. O autor, com precisão cirúrgica, trata do envelhecer e do morrer. No livro, há duas passagens muito caras: 1) a morte é um problema dos vivos; 2) os moribundos frequentemente deparam-se com a completa solidão, porque os vivos, temendo por si mesmos, são incapazes de lhe demonstrar afeto.
Na solidão das UTIs, minha homenagem aos profissionais de saúde, como também da limpeza e da administração, que procuram fazer da solidão dos moribundos ou uma passagem santa ou uma recuperação rápida e promissora, sabendo que lutam contra um inimigo que além de invisível, também é traiçoeiro e sorrateiro. Minha homenagem a todos que como o Padre Giuseppe Berardelli fazem de sua solidão opcional e fatal causa de vida para o outro, como o fez Jesus Cristo, cujo gesto ainda é incompreensivo aos nossos dias materialistas e soberbos.
Ele que experimentou a solidão em sua curta jornada de 33 anos na terra, em pelo menos três significativas situações. No deserto, no Getsêmani e na Cruz. Expressões máximas de solidão, mas também de amor. Recolhimento para orar, recolhimento para pedir e recolhimento para se entregar, no vazio da solidão e da sensação de abandono. Jesus Abandonado, uma representação que me inquieta, mas que ao mesmo tempo me conforta, como o Papa Francisco caminhando sozinho, falando e orando sozinho.
Na
música popular brasileira, talvez ninguém definiu tão bem a solidão a exemplo
do cantor Alceu Valença: “A solidão é fera a solidão devora / É amiga das horas prima irmã do
tempo / E faz nossos relógios caminharem lentos / Causando um descompasso no
meu coração
Solidão / A solidão dos astros / A solidão da lua / A solidão da noite / A
solidão da rua…”
Bendita seja a solidão dos que amam, dos que se esvaziam de si para se encher de amor pelos outros. A solidão que santifica, que inquieta e desconforta, que nos assalta de nosso egoísmo para encontrar porto nos amigos, devorado pelo desejo de orar, pedir e se entregar.