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Fábio Shadow: “A favela é o lar de boa parte dos nordestinos quando vão para o sudeste”
23 de setembro de 2018 - 16:20, por Marcos Peris
Portal Lagarto Notícias
O escritor simãodiense radicado no Rio de Janeiro, Fábio L. Shadow é o entrevistado da semana. Formado em administração, ele reside em uma das favelas da Cidade Maravilhosa e, recentemente, lançou seu primeiro livro intitulado “Príncipe Pardo e os Reinos Perdidos – Atlântida”.
O livro foi publicado na 25º Bienal do Livro e nesta entrevista, o simãodiense conta dos motivos que o levaram a escrever a obra. Tudo por causa de uma criança. Além disso, a obra procura levantar, que inclui passagens por Lagarto e Simão Dias, procura levantar o debate acerca do racismo, e da criação dos filhos.
Filho de uma grande família gerida por sua mãe, Fábio também criticou a fala do candidato a vice-presidente pelo PSL, General Mourão, sobre “a fábrica de desajustados”, além de ter anunciado projetos futuros para sua carreira enquanto escritor.
Confira a Entrevista da Semana na íntegra:
Portal Lagarto Notícias: Quem é o escritor simãodiense Fábio L. Shadow?
Fábio L. Shadow: Haha… Boa pergunta. Eu sou um cara que ama música, vôlei e um bom livro de fantasia. Acredito que isso me resumiria bem.
PLN: Como surgiu o seu interesse pela literatura? Quais são seus mentores e influências?
FLS: Eu já muito gostava de ler. Com o trabalho e a faculdade, abandonei um pouco esse hábito, pois sou formado em administração. Mas o interesse em escrever veio de uma redação simples feita para ajudar meu sobrinho que estava com dificuldades na escola. Daí desenvolvi os textos por cerca de 10 anos até decidir publicá-los. Minhas influencias são J. R. R. Tolkien e C. s. Lewis. Atlântida foi feita sob suas influências diretas. Atualmente tenho procurado conhecer melhor a literatura nacional, que é bastante rica.
PLN: Na 25º Bienal do Livro, o senhor lançou sua primeira obra denominada: O Príncipe Pardo e os Reinos Perdidos – Atlântida. Como descreveria aquele momento?
FLS: Poxa, na verdade, foram diversos momentos incríveis. Acredito que para quem está começando, o retorno do leitor, a experiência com o público interessado é tão emocionante. Eu tive tudo isso e logo em uma bienal. A galera querendo tirar fotos e perguntando pela obra. É algo que me motiva ainda mais a escrever.
PLN: Quais os principais debates o livro procura levantar no seio social? Ele tem algum objetivo social específico?
FLS: O livro sempre foi uma reflexão pessoal sobre o mundo a minha volta. Então, as coisas que presenciei, eu acabei refletindo e transpondo em personagens, cenas, mensagens. Ele fala sobre as relações dos pais com os filhos, sobretudo, a falta que o filho sente de um deles, pois não convivi com meu pai. Fala sobre racismo e o julgamento que as pessoas fazem antes de conhecer as outras.
Eu passeio pela favela, porém a tomando pelo cenário que pouco se fala: a favela é o lar de boa parte dos nordestinos quando vão para o sudeste. Não levanto bandeiras explícitas, mas procuro tocar os corações sutilmente para a mensagem de amor, sobretudo aquele pregado por Jesus Cristo.
PLN: O senhor tem afirmado que “Se não fosse pela fluidez imaginativa de seu autor, o livro poderia se tratar de um romance autobiográfico”. Diante disso e sabendo que trata-se de uma fábula, até que ponto o livro é uma autobiografia?
FLS: Eu escrevo a fantasia porque amo esse gênero, mas insiro muito das minhas experiências pessoais no livro. Fez parte de minha infância brincar com argila na beira de lagos, jogar com o pessoal na favela bem como morar nela. Inclusive, eu levo o protagonista à Sergipe no próximo livro. Então, eu me vejo muito no livro. As aventuras pelas quais Lipe passa, eu brincava com os amigos na infância em Lagarto e em Simão Dias.
PLN: Um dos fatores que o motivou a escrever foi à dificuldade do seu sobrinho em redação. Mas, ao lançar o livro, o senhor afirmou que ainda não é o autor que quer ser. Por isso, que tipo de autor o senhor pretende ser? Será um escritor voltado a literatura infantil?
FLS: Não. Eu tenho lido bastantes livros de fantasias recentemente e buscando aprender recursos linguísticos que me permitam desenvolver as melhores habilidades de um escritor: descrição de cenas, resolução de conflitos, desenvolvimento de contexto, melhor ângulo descritivo… Sou muito perfeccionista e reviso meus textos quantas vezes forem necessárias para que eu possa aprová-los. Contudo, sempre há onde melhorar e aperfeiçoar. Busquei muitas parcerias e aconselhamento quanto a isso. Continuo buscando, pois acredito que há sempre coisas novas a aprender.
PLN: Recentemente, o General Mourão afirmou que os filhos criados sem pais são desajustados. Como você analisa tal declaração, uma vez que um dos dilemas levantados em sua obra é justamente a criação dos filhos nos grandes centros urbanos?
FLS: Independente de posicionamento político, eu acredito que esta declaração seja, no mínimo, ofensiva. Primeiramente porque “desajustados” é uma palavra extremamente pejorativa, que já traz uma carga negativa por si só. Acredito ainda que há um machismo presente nela, uma vez que minimiza os esforços de uma mãe, como a minha, que criou nove filhos.
Posso dizer que sinto muito orgulho pelas pessoas que meus irmãos se tornaram e pelo caráter que eles demonstram, cada um a seu modo. O último tocante é a questão da métrica de “ajuste” que ele pressupõe existir, da qual também discordo. Quem é ajustado é “ajustado a quê?”. Como você mediria o grau de ajustamento de uma pessoa aos padrões sociais nos dias atuais? Que padrões sociais são esses? Atualmente, me guio pelo amor.
PLN: O que fez a sua família migrar de Simão Dias para o Rio de Janeiro? Como foi essa mudança? Sente falta da sua terra natal?
FLS: Começando pela última pergunta, sinto falta sim. Tanto que já a visitei duas vezes esse ano. A mudança de estado foi simples. A minha irmã Ninha (Dulcilene) havia vindo para tentar a vida no Rio de Janeiro e deixou seu filho Jonatas aos cuidados da minha mãe, esse mesmo sobrinho que eu dediquei o livro.
Eu me tornei muito próximo dele, pois apesar de ter muitos irmãos, eles saíram de casa cedo e eu não convivi muito com eles. Jonatas acabou se tornando um irmão mais novo para mim. No belo dia 2 de janeiro de 2005, Ninha nos convidou a visitar a cidade, eu com 16 anos e Jonatas com 8. Enfrentamos quase quarenta horas de viagem de ônibus e quando chegamos, Ninha nos convidou a ficar. Minha mãe deixou e ficamos.
PLN: Como descreveria a sua relação com o município de Simão Dias? Pretende retornar em definitivo?
FLS: Não. Amo passear aí, mas amo a correria do Rio de Janeiro. Amo jogar vôlei todo fim de semana, praia, trilha. Simão Dias é aquele lugar que eu preciso ir, rever a galera, relaxar, desligar o celular, sabe? Conheci Aracaju há pouco tempo e fiquei encantado. Conheci São Paulo na época da bienal e também gostei, mas há uma magia no Rio, algo que me conecta a esta cidade.
PLN: O que podemos esperar do escritor Fábio L. Shadow nos próximos anos?
FLS: Não tenho planos de outras obras fora de “O príncipe Pardo”. O livro 2, Pompeia, será o meu foco no ano que vem e pretendo movimentar um financiamento coletivo para ampliar a divulgação. Inclusive, agradeceria a ajuda de todos (risadas). Espero lançá-lo na Bienal do Rio, em 2019 e refazer o percurso de divulgar em outras cidades, na qual Simão Dias, já está incluída.
Para 2020, espero lançar o volume 3, ainda sem título. A partir daí, minha ideia seria buscar parcerias internacionais. Quero traduzir a trilogia, ao menos, para o inglês.
PLN: Que mensagem deixaria para a população?
FLS: Deixo duas: a primeira é acreditar em seus sonhos e ter certeza de que, pelo que você lutar, você terá frutos. Podem não ser cestas fartas, caminhões, mas para quem faz o que gosta, apenas um grama de recompensa já basta.
A segunda: não pisar em ninguém, não desejar o mal aos outros. Às vezes, nos enchemos de ódio se alguém nos atrapalha, queremos revidar ofensas à altura. Enfim, responder ódio com ódio. A mensagem de Jesus que é a mais bela diz: ao compartilharmos amor, até o mal servirá para o bem.
Obrigado pela oportunidade e um abraço a todos.