- PUBLICIDADE:
- Minas Telecom
- Hábyto
- Consultoria em Marketing
- OX
- VIDAM
Uma carta para dona Elza, uma mãe órfã
12 de maio de 2021 - 14:18, por Marcos Peris
Desculpe, minha amiga Elza, dirigir a você uma carta sobre seu filho Rafael Batista. É que esse é um hábito que tenho quando o assunto me toca muito. Também te escrevo não esperando uma resposta. E talvez também você nem leia estes escritos, mas, se por acaso isso acontecer, espero que te traga algum abraço.
Também escrevo porque, narciso que sou, acho que pode ter alguma importância para você. Desde já peço que perdoe essa minha prepotência.
Não sei qual palavra usar para aliviar a dor de uma mãe que perde um filho. Desconfio que nem existem palavras e jamais seria irresponsável em afirmar algo que não existe.
Começo por dizer que sei que nunca disse o quão importante você foi para mim, o quanto admiro a mulher que é e a coragem que tem para viver. Não sei se você sabe, Elza, mas você foi minha primeira chefe de trabalho. E você nunca se dirigiu a mim com cerimônia que o cargo de secretária de saúde de Lagarto poderia te proporcionar. Você sempre me tratou de forma especial, compreendia minha rotina entre Lagarto e Aracaju por conta da faculdade de jornalismo e foi essencial para o meu percurso de vida.
Mas é sobre outro assunto que quero falar. Quando Rafael se internou de Covid, minha amiga, te escrevi uma pequena mensagem no watizap, perguntei pelo estado de saúde e você me retornou rapidamente. Sua fortaleza era tanta que, em meio a turbulência do momento, você foi capaz de me escrever agradecendo pela preocupação.
Eu sei, Elza, que você foi roubada de uma parte de você. Sei também que mães que perdem filhos são pedras que choram. E sei ainda que Rafael lutou contra uma doença a qual já existia vacina, só que não alcançou a ele. Rafael se foi com 29 anos, cheio de sonhos, cheio de projetos interrompidos. Mas Rafael se foi…
Rafael se foi no último domingo, logo no dia das mães. Mas como uma mãe, você fez tudo o que as mães devem de fato fazer. Te vejo com pouca frequência, mas a cada encontro, a cada rápida conversa, a cada abraço, sinto que você emana uma energia unânime. Você é grandeza, Elza.
Sei que Rafael foi o primeiro grande amor de sua vida, Elza, porque depois veio o outro grande amor, Rodrigo. E quando eu ouvia você falar dos filhos, era como se fosse uma professora, daquelas de primário que cuida do aluno em todos os momentos. Ora era uma namorada daquelas paixões que fazem a gente sonhar. Você, Elza, é uma heroína histórica pra Lagarto e pra seus familiares, que só conhecemos em livros.
Rafael também, Elza, tinha uma mulher apaixonada do seu lado. Era com Larissa que se casaria na igreja e tudo mais. Porque ela era o seu ideal. Foi ela que ele prometeu amar a vida inteira. E amou, até o último segundo de sua vida, ele a amou.
Seu filho foi um lagartense bem legal. A minha geração agradece pela sua genialidade, disponibilidade e abertura que tinha para ouvir o outro. Rafael, Elza, contribuiu para a história de Lagarto. E hoje Lagarto chora.
Também não sei se te contei, Elza, mas Rafael esteve em minha casa, já na pandemia, para comprar o meu livro, Ser feliz dói. Em uma publicação no Instagran, ele se sensibilizou com a crônica que cito o nosso cemitério, o Senhor do Bonfim, cujo título, os meus mortos vivem em Lagarto, traduzia a Rafael a paixão que ele tinha pelo cemitério paroquial.
Parece mentira, mas o lugar que ele tanto zelou, hoje é a sua moradia. Porque mesmo morto, Rafael está vivo naquela estrutura que enfeita o centro da cidade.
Lembro do último encontro do GAE, o Grupo Amigos da Educação. Foi antes da pandemia barrar a gente de se abraçar, e foi justamente em sua casa, Elza, que Rafael cozinhou pra gente, nos fez rir, contou histórias de uma Lagarto que só ele mesmo poderia alcançar com sua entrega e genialidade e cantou fuscão preto. Rafael tinha vontade de viver.
Tudo em Rafa era excessivo: a voz, o peso, o apetite para o riso, o desejo de contribuir, de devotar a nossa Piedade, a ânsia de viver até a última gota, a advocacia, versava entre o sagrado e o profano. Era de um talento avassalador. A história lagartense deve a Rafael Batista, assim como a igreja e a política. Tudo ele sempre levou a sério, ao extremo.
Eu tenho uma insatisfação constante com o mundo e tenho de entender o porquê disso acontecer, Elza. Tentar entender esse mundo violento, dói demais, minha amiga.
Daqui de casa, nessa escrivaninha em meu quarto onde escrevo agora, vou te falar, Elza, do meu último diálogo com Rafael. Foi dia 17 de julho de 2020. Ele admirou meu jeito de escrever, me disse que gostava do jeito que eu colocava as palavras no papel. Foi a última vez que vi Rafael, e eu tive muita vontade de ter dado um abraço nele. Mas a gente tinha noção do momento da doença. Ele já dentro do carro, e eu na calçada, olhei pra ele e disse: “ô, Rafa amado. Brigado, meu fio. Quando eu estiver aflito com a desumanidade das pessoas, lembrarei que você um dia cozinhou em sua casa para receber os amigos de sua mãe”.
Iuri Rodrigues é lagartense, jornalista e escritor. Autor dos livros Um lugar para respirar e Ser feliz dói.