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UM BREVE HISTÓRICO SOBRE O PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO DA CIDADE DE LAGARTO
8 de abril de 2021 - 21:22, por Claudefranklin Monteiro
Na última quarta-feira, 7 de abril, estive proferindo palestra, via plataforma Zoom, para os alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade AGES, a convite da professora Andréa Fontes. Na ocasião, sob a coordenação da profª.drª Mariana Emanuelle Barreto, discorremos sobre a história do patrimônio arquitetônico lagartense. Foi um momento enriquecedor de troca de ideias e de somação de esforços com vistas a discutir e encontrar formas de proteger os nossos tão combalidos bens culturais materiais.
Ao contrário do que possa parecer, arquitetos e urbanistas têm como uma de suas preocupações a preocupação com o patrimônio cultural e com a história. Como afirma Françoise Choay, em “Alegoria do Patrimônio” (2006), eles também desejam, como os artistas, marcar o espaço urbano. E nesse afã, unem-se aos historiadores, na perspectiva de perceberem os monumentos como documentos, conforme preconiza Jaques Le Goff.
Quando o assunto é arquitetura patrimonial lagartense, uma pergunta logo se impõe: é Lagarto uma cidade histórica?
Elevada à condição de cidade no dia 20 de abril de 1880, a antiga Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto só passou a ter suas primeiras feições urbanas, efetivamente, com a gestão paroquial e da Câmara Municipal do sacerdote Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro (1874-1910).
As feições urbanas de Lagarto ganham novo rumo nas primeiras décadas do século XX, notadamente a partir da construção e inauguração do Grupo Escolar Sílvio Romero, em 1924. Os remanescentes arquitetônicos da cidade no tempo presente remontam, basicamente às décadas seguintes ao Grupo Escolar Sílvio Romero, compreendendo as décadas de 40, 50 e 60.
Esta síntese, deixa no visitante, sobretudo do que ainda resta em pé, conservado ou em ruínas, outras dúvidas e perguntas: este lugar é realmente do século XIX? Suas origens mais longínquas remontam mesmo aos finais do século XVI?
Constatada a historicidade do lugar, quatro preocupações nos orientam: 1) Porque precisamos salvaguardar o patrimônio arquitetônico de Lagarto? 2) O que precisamos proteger? 3) O que foi feito e o que se deixou de fazer? 4) O que ainda pode ser feito?
Em 1961, José Alexandre Felizola Diniz, importante estudioso sergipano e fundador do Museu Arqueológico de Xingó, com passagem pela Universidade Federal de Sergipe, esteve visitando Lagarto a cidade de Lagarto. Na ocasião, publicou na Revista da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe um estudo intitulado Ensaio Geográfico sobre Lagarto, do qual destaco a seguinte observação:
“Não nos foi possível constatar a evolução urbana e a distribuição populacional, pois não encontramos plantas de diversas épocas da cidade. (…) De acordo com isso, vemos que é praticamente impossível reconstituir-se a evolução urbana… (…) O estilo das construções em Lagarto é muito variável. Aí é possível reconstituir-se a história arquitetônica do Brasil, na evolução do estilo Barroco até o “Funcional”. Casas coloniais com grandes biqueiras, fontes nos jardins, janelas de guilhotina e belos azulejos, lembrando o gosto árabe pela claridade, pela limpeza e pela água…” (p. 219)
Apesar do pessimismo de Felizola de época, entendo que é possível sim constatar a evolução urbana e a distribuição populacional de Lagarto. Se faltam plantas ou fotos, há outros indícios que podem nos ajudar a ter uma ideia, como registros paroquiais, memorialístico ou mesmo a literatura. Vejamos, por exemplo, o trecho a seguir do poema de Severiano Cardoso (Rimas Sertanejas, de 1896):
Eu vou cantar do Lagarto
Os encantos sem eguaes
Suas ternas madrugadas,
Seus risonhos candeaes,
Suas virentes campinas,
Seu rosário de collinas,
Beijadas da viração,
Tudo quanto Deus sonhara
Espalhar e espalhara
Naquelle lindo sertão
Observem que até 1896, dezesseis anos depois da elevação da Vila de Nossa Senhora da Piedade à condição de cidade, Lagarto seguia tendo feições eminentemente rurais. Até esta data, somente três patrimônios edificados se destacavam da paisagem sertaneja do município: 1) a capela do povoado Santo Antônio, provavelmente da época da colonização, em 1604, e que fora demolida nos anos 1980 para dar lugar uma Igreja maior; 2) a Igreja de Nossa Senhora da Piedade, que foi concluída no dia 21 de outubro de 1669, ano da criação da freguesia; 3) e a Igreja do Rosário, erigida por mãos negras escravizadas a partir de 1757.
Como já afirmei, coube a Daltro mudar esse cenário, basicamente com quatro importantes obras que deram novas feições a Lagarto, a saber: 1) a reforma e ampliação da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, cuja arquitetura barroca deu lugar ao neoclássico, com destaque para as grossas colunas internas, paredes com óleo de baleia e grossas, grande portas de madeira coloniais e as duas torres imponentes (sem as laterais, obra de Monsenhor Marinho algumas décadas mais tarde); o Cemitério Senhor do Bomfim, a muito custo inaugurado em 1880, na esteira da necessidade de estabelecer novas normas para o enterramentos; 3) o Paço Municipal, de 1897, atual sede da Prefeitura Municipal de Lagarto, cuja fachada conserva características de época; 4) A primeira sede do Hospital Nossa Senhora da Conceição, inaugurada em 1902, e que hoje além de ser um vergonho terreno baldio, na Praça Monsenhor Daltro, também é um grande vazio de memória.
A nova sede do Hospital Nossa Senhora da Conceição foi inaugurada em 1957, por iniciativa de Dionísio de Araújo Machado. Anos antes, seu antecessor, Alfredo Batista Prata havia erguida e fundada a Maternidade Monsenhor Daltro. Ambos os prédios, suntuosos, já revelavam uma nova arquitetura predominante à época. Ambos já sofreram alterações significativas em sua estrutura física, restando muito pouco de seus originais.
Apesar das intervenções importantes de Daltro na arquitetura e no urbanismo lagartense dos finais do século XIX e inícios do século seguinte, fotos das primeira duas décadas de Lagarto ainda revelam uma cidade precisando ainda mais de melhoramentos, sobretudo no que se refere à ordenação de suas ruas, calçamentos e à composição de seus casarios do centro, reduzido ao entorno da Praça da Piedade.
Assim, os anos vinte são o tempo da grande virada arquitetônica e urbanística de Lagarto, não somente pela construção do Grupo Escolar Sílvio Romero, em 1924, mas também por uma série de melhorias, atestadas pelas imagens dos Álbum de Sergipe (1920), de Clodomir Silva, onde se sobressaem três edificações que não existem mais: a Cadeia Pública, nas proximidades da atual Praça Filomeno Hora; o Mercado (que funcionava nesta praça e foi transferido nos anos 60 por Ribeirinho, para a localização atual, nas proximidades da Exposição Nicolau Almeida); e a primeira sede da Casa Paroquial, um belíssimo prédio dois andares.
Esse desaparecimento de nossos bens culturais materiais da paisagem urbana foi atestada pelo Dr. Gervásio de Carvalho Prata em 1943, no seu livro “O Lagarto que eu vi”:
“Sentimos que o Lagarto de três décadas atrás, que conhecíamos, está desabando visivelmente aos golpes das iniciativas novas.
É outro o Lagarto de hoje, com suas ruas quasi todas calçadas a paralelepípedos, seus passeios pavimentados e a meio fio, sua praça Matriz completamente ajardinada no mais moderno estilo, sua vasta praça do Mercado… suas habitações domiciliares modernas, surgindo e por surgir em todos os quadrantes da cidade” (p. 5).
Nos anos trinta, o grande destaque foi a melhoria da Praça da Piedade, com jardins, canteiros e principalmente a inauguração do Coreto, em 1932. Na década seguinte, como vimos por Dr. Gervásio Prata, Lagarto enfim alcançara feições efetivamente urbanas. Destaque para a construção do prédio da primeira escolar particular do município, o Colégio Nossa Senhora da Piedade, em 1947, que conserva boa parte de sua estrutura original.
Nos anos 50, o centro urbano estava todo praticamente habitado e a arquitetura era moderna-mista, com pouquíssimos exemplares coloniais. Destaque para os surgimentos das chamadas regiões periféricas, a exemplo do Pacheco e do Campo da Vila, hoje bairro Ademar de Carvalho, de outros colégios, como o Laudelino Freire e uma série de outras investidas estruturantes.
Nos anos 60, outra grande virada arquitetônica e urbanística, sobretudo com Ribeirinho e Dionísio de Araújo Machado. Ribeirinho construiu em Lagarto o primeiro prédio com mais de dois andares, o antigo Hotel Palace, atual Centro Comercial José Augusto Vieira, ao lado do Banco do Brasil. O prédio tinha elevador e era bastante movimentado, ficando abandonado a partir dos anos 80 e sofrendo diversas alterações. Ainda com Ribeirinho e Dionísio, a Praça Filomeno Hora se transformou em um novo ponto de lazer da cidade, com destaque para duas edificações em homenagem ao Regime Militar: o belíssimo palanque em forma de bolo de noiva ( destruído na administração de Artur Reis e que na administração de Cabo Zé deu lugar a uma polêmica fonte luminosa, que também não existe mais); e um monumento aos moldes de Oscar Niemeyer, erguido, segundo consta, onde era a forca da Vila, este ainda em pé, apesar das incontáveis reforma que essa praça sofreu.
Os anos que se seguiram, a saga destrutiva dos lagartenses e os maus tratos para com seus bens culturais materiais só cresceu. Em nome de uma pseudomodernidade, inúmeros prédios não existem mais. Para ilustrar, destaco: a antiga sede da Associação Atlética de Lagarto, o antigo Hotel Vitória, uma belíssima casa nos fundos do Santuário Nossa Senhora da Piedade, hoje uma funerária. Sem falar nos vergonhosamente abandonados e fragrante destruição: o Grupo Escolar Sílvio Romero (Tombado pelo Conselho Estadual de Cultura, em 1995); o Centro Cultural Adalberto Fonseca, antiga residência da família do jornalista Emerson Carvalho, na Praça da Piedade; um prédio ao lado do Cemitério Senhor do Bomfim, na esquina em frente à Praça Monsenhor Daltro. Entre outros inumeráveis…
O que essa síntese de nossa evolução arquitetônica e urbanística nos revela, nos instiga e quer nos fazer sair da letargia de pelo menos quatro décadas?
Que é necessário garantir a ideia de pertencimento e de identidade (proteção). Que precisamos proteger os remanescentes da arquitetura histórica de Lagarto, porque nos pertencem e nos garantem a nossa identidade. Que, ao contrário dos bens culturais imateriais lagartenses, pouco o quase nada foi feito para proteger os bens culturais materiais e que ainda não existe uma política pública de proteção da materialidade e nem tão pouco uma consciência patrimonial. Que urgente se investir em educação patrimonial e criar órgãos específicos para esta causa e uma legislação protetiva, condicionada em seu Plano Diretor, por exemplo.