DIÁRIO DE UMA QUARENTENA (DOCÊNCIA)

13 de maio de 2020 - 19:23, por Claudefranklin Monteiro

Alguns episódios da vida política e da vida cultural brasileira entre os anos 1984 e 1985 foram decisivos para que eu pudesse escolher meu rumo profissional. É bem verdade que ainda era muito cedo para isso, afinal, só tinha entre 10 e 11 anos. Mas vivenciar aqueles acontecimentos, testemunhá-los pela televisão e pelos jornais, na conversa com os adultos, foi muito significativo.

Foi com o Movimento Diretas Já (março de 1983 e abril de 1984), que percebi que a minha infância estava dando espaço para outras experiências. Aquilo tudo chamou minha atenção. Fiquei triste pelo insucesso da proposta, mas torci para Tancredo Neves como para um time de futebol. Criei identificação política com ele. Foi o primeiro personagem da vida pública nacional por quem me interessei. De igual modo, sofri com sua morte inusitada e com os rumos que o país tomou doravante, num parto difícil da redemocratização brasileira, cujos efeitos sentimos até a presente data.

A arte e a política juntas, num momento de grande explosão criativa. A música, principalmente. Nesse sentido, destaco a canção Coração de Estudante, composta por Milton Nascimento e Wagner Tiso, lançada no disco Milton Nascimento ao Vivo (1984). A música caiu no gosto popular e virou tema daquele período da História do Brasil. Uma espécie de ode à volta da democracia.

Em janeiro de 1985, passei as férias em Fortaleza, na casa de meus tios Maria do Carmo e Sebastião. Vivia às voltas como meu primo Kildare, mais velho do que eu, mas com quem mantinha um excelente diálogo. Foi ele que me recomendou assistir a programação do Rock in Rio (transmitido pela Rede Globo), ocorrido no Rio de Janeiro entre os dias 11 e 20 daquele mês e ano. O primeiro dia foi simbólico e histórico para mim. Além das apresentações de Ney Matogrosso, Erasmo Carlos, Baby Consuelo e Pepeu Gomes, Iron Made, uma em especial marcou muito. Refiro-me à Banda Queen e a icônica performance de Freddie Mercure, regendo a multidão, em uníssono, ao interpretar a música Love of my Live.

No dia seguinte, passei a esperar ansiosamente pela chegada do jornal diário, para recortar os informes sobre o evento e improvisar um álbum, com cola e folha de ofício, que, lamentavelmente esqueci no guarda roupa, ao retornar para Lagarto e que se perdeu. Hoje, teria um valor histórico incalculável aqueles registros. Que bom que em 2011, Luiz Felipe Carneiro presenteou os fãs do evento com seu livro Rock in Rio (A História do Maior Festival de Música do Mundo). Particularmente, fiquei parcialmente recompensado com meu esquecimento.

Mas o que tudo isso tem a ver como a minha decisão em ser professor? Vejamos.

Até àquela altura da minha vida, pensei em ser várias coisas na vida, pela ordem: jogador de futebol, comerciante ou político (influência paterna); militar (fuzileiro naval a exemplo de Claudemir); advogado e sacerdote. Sobre o sacerdócio, permitam fazer um parêntese. Fui ligeiramente vocacionado aos dezessete anos, pois queria ser franciscano e até anunciei esse meu desejo ao então Pároco de Lagarto, Mário Rino Sivieiri, que iria me apresentar na Missa de Domingo, mas fui demovido antes da ideia por meu tio materno, Tonho de Sinhô, quando partilhou comigo uma experiência traumática que viveu num convento. Ele me dizia: “Menino, você é inteligente. Vá fazer o nível superior primeiro. Depois disso, se a vocação for mesmo certa, você retoma isso, mais amadurecido e com uma formação melhor. Experimente o mundo antes de abrir mão dele”.

Entre os 10 e 15 anos, não tinha bem certeza do que queria da vida. Natural. Mas o Diretas Já e o Rock in Rio, e, sobretudo o fato de meu irmão mais velho ser professor e nos sustentar a todos depois da morte precoce de meu pai, foram fundamentais para encaminhar a minha vida e escolhas para a docência ou para trabalhar com pessoas e ajudá-las, tanto que minha segunda opção no vestibular foi, acreditem, Serviço Social.

Uma coisa hoje eu tenho certeza. Minha vocação passava pela ideia do humanismo. Seja qual fosse a decisão que tomasse. Resoluto a ser professor, aos dezessete anos (após desistir ou adiar a ideia de ser padre ou religioso), me inscrevi para a seleção do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Sergipe, em 1991, e fui aprovado em oitavo lugar, apesar das minhas limitações. Meu irmão mais velho vibrou e minha mãe chorava copiosamente com a notícia. Foi uma grande novidade na cidade, apesar do preconceito de alguns que me diziam que eu deveria escolher o Direito, pois como professor iria morrer de fome. Nesse particular, padinho Cláudio me motivava, dizendo: “Frank, olhe pra mim. Veja se eu morri de fome [ele era gordinho e fofinho]”.

No dia 01 de agosto de 2019, comemorei meu jubileu de prata na docência. Ao longo desses vinte e cinco anos, depois de me consolidar no Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, em 2009, tive passagens muito importantes em algumas instituições de ensino da rede particular e da rede pública de Lagarto. De todas elas, aprendi valiosas lições, deixei sempre portas abertas e levei inúmeras saudades.

No Colégio Laudelino Freire, onde também fui aluno até a oitava série, trabalhei cinco anos (1994-1999), como professor de Língua Portuguesa, Redação, Literatura e Cultura Sergipana, no Ensino Fundamental e nos cursos de Contabilidade e Magistério. Embora concluíndo o Curso de História, não havia vaga na casa para professor na área. Foi ali, também, que iniciei a minha vida cultural como escritor, historiador, cronista, articulista e poeta.

No Colégio Frei Cristóvão de Santo Hilário (municipal), trabalhei nove anos (1997-2006). Inicialmente com um contrato de confiança e pouco tempo depois como concursado. Ali, pude experimentar pela primeira vez a alegria de lecionar História. Aprendi muito com aquela instituição, tive a oportunidade de participar de vários projetos e de coordená-los também e até fui cotado para ocupar uma função púbica na Secretaria Municipal de Educação, frustrado pela mesquinharia político-partidária da cidade de Lagarto. Salvo engando num órgão de assessoria conhecido por SUPREDE, que tinha a coordenação do saudoso Prof. Fernando Lins.

Com uma diferença de um ano em relação à Rede Municipal, me efetivei na Rede Estadual de Educação de Sergipe. Entre os anos de 1998 e 2009, fui professor de história, inicialmente, no povoado Colônia Treze, no Colégio Luiz Alves de Oliveira (uma experiência de nove meses), e depois no Colégio Abelardo Romero Dantas (Polivalente). No Abelardo, firmei a docência e me arrisquei a voos ainda maiores na profissão, como fazer o Mestrado em Educação pela UFS. Apesar de ter vivido mais tempo no Laudelino Freire (aluno e professor), o Polivalente foi o lugar de trabalho que mais marcou a minha trajetória professoral e mesmo na área cultural.

Entretanto, nenhuma instituição me projetou tanto na docência e me abriu tantas portas quanto a Faculdade José Augusto Vieira (2004-2009). Além de participar da equipe fundante daquela casa, seus donos, o casal de empresários José Augusto Vieira e Josete Reis Vieira, me deram a incumbência e o desafio de criar o primeiro Curso de Licenciatura em História do interior sergipano. Nosso legado, somado aos esforços de uma equipe de professores abnegados, garantiu à FJAV a façanha histórica de ter alcançado a nota 5 em seu processo de reconhecimento junto ao MEC.

Afora as instituições aqui citadas em destaque, tive rápidas passagens por cursos preparatórios para vestibular e concurso. Experiências muito frustrantes, que em nada me acrescentaram. Também um semestre bem-sucedido numa extensão da Universidade Vale do Acaraú em Lagarto, em 2002, quando tive a oportunidade de lecionar a disciplina Fundamentos Históricos e Filosóficos da Educação. Vale ainda, ressaltar, que entre 2006 e 2008, fui Professor Substituto do Curso de Educação da Universidade Federal de Sergipe. Desde 2015, atuo, voluntariamente, no Instituto de Teologia São João XXIII, em Estância, com a disciplina História da Igreja, onde também desenvolvo Curso de Extensão da UFS: Tópicos Especiais em História da Igreja na América Latina, no Brasil e em Sergipe.

Passados quase vinte e seis anos, o que diria sobre a docência e a escolha de ser professor naqueles incríveis anos 80 e 90? Valho-me sempre de uma afirmação de meu irmão mais velho que dizia a respeito: “Se eu acreditasse em reencarnação, gostaria de voltar a ser professor”.

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