DIÁRIO DE UMA QUARENTENA (O luto)

7 de maio de 2020 - 11:09, por Claudefranklin Monteiro

O Brasil alcançou na última quarta-feira um recorde incômodo referente ao avanço da COVID-19, sobretudo no que diz respeito ao quantitativo de mortes provocada pela doença: cerca de 8.536. Para além da frieza dos números, cabe lembrar e ressaltar que equivale a dizer que milhares de pessoas estão enlutadas, sofrendo com a ausência de seus amigos e familiares, sendo sepultados de forma indigna: sem rituais de despedida, religiosos ou não. Nessas situações, o processo de resignação é muito mais doloroso. Para além de devastar as vidas, o novo coronavírus tem provocado devastações psíquicas e emocionais de toda sorte.

Naquela mesmo dia, à noite, na edição do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, o jornalista Willian Bonner levou ao ar um pronunciamento marcante, alertando a todos para a importância de enxergar nos números as pessoas: “Quando as mortes vão se acumulando, ao longo de dias e de semanas, como acontece agora na pandemia, esse baque se dilui e as pessoas vão perdendo a noção do que seja isso. 8 mil vidas acabaram. Eram vidas de pessoas amadas por outras pessoas, pais, filhos, irmãos, amigos, conhecidos”.

Em grande medida, Bonner fez um apelo para a empatia e nesse sentido para a tomada urgente de consciência. Contabilizar os testados positivo e mortes não é uma ficção. É uma realidade dura e cruel. Particularmente me incomoda a insensibilidade das pessoas nesses tempos de pandemia, sobretudo das autoridades em expressões do tipo “e daí?”. E daí que estamos perdendo o sentido do luto, do recolhimento respeitoso e da compaixão. Colocar-se no lugar do outro, solidarizar-se com ele, rezar e zelar por ele.

O imediatismo do tempo presente, a sede por poder, lucro e privilégios, o egoísmo e a soberba tem adoecido a humanidade. O preço a pagar está sendo cobrado da pior forma possível e todos estamos à mercê de atos bárbaros e inúmeros contrassensos e contratestemunhos. Estamos à beira de um abismo, da cova que nós mesmo abrimos para sepultar a nossa carniça humana com nossa mania de achar que somos mais do que os outros, que somos incólumes à doença e à morte.

Só quem já viveu a experiência do luto sabe o que se passa com às famílias e amigos daquelas mais de oito mil pessoas. Número que tende a ser maior depois do fechamento e publicação da presente crônica. Número que não pode ser uma mera estatística ou notícia para qual olho e depois esqueço na primeira live que assisto.

Sendo muito honesto, não há clima para festas ou para qualquer tipo de manifestação em tempos de pandemia, inclusive político-partidária, briga por espaços públicos e uma série de aberrações humanas. É tempo de recolhimento e consternação. De luto. Não proponho fechar-se em si e amarrar a cara, ficar amargurado, pois também precisamos seguir em frente e nos resguardarmos dos males que podem nos atingir e atingir nossas famílias e amigos. Também precisamos higienizar a nossa mente e nosso convívio. Razoabilidade é a senha.

O jovem cantor e escritor Thiago Brado, em seu novo livro As Verdades do Tempo assim se expressou sobre a morte: “Quem não for aplaudido em vida por suas conquistas, vai inevitavelmente ser aplaudido quando o caixão descer à cova. A única diferença: em vida, um aplauso pode ser capaz de encorajar sonhos, mas quando o corpo frio tiver tocado a terra, nada mais será ouvido ou sentido” (2019, p. 40).

Para além de oito mil mortes, morreram sonhos. Relacionamentos foram interrompidos da forma mais inusitada. Prantos silenciosos e sentidos podem ser ouvidos em cada parte do país. Colos, ombros e abraços, paradoxalmente, podem ser contagiosos. E nesse cenário de desolação crescente, mais do que nunca devemos enlutar nossas atitudes e reconsiderar nossas ideias sobre a vida e sobre a morte, pois mais do que nunca essa linha está muito tênue. Mais do que nunca precisamos fazer do presente a nossa única e melhor escolha. E essa escolha precisa ser movida por empatia: princípio básico do luto.

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