Cássio Roniere: “Falar de Lagarto é falar dos grupos folclóricos e da filarmônica Lira Popular”

15 de abril de 2018 - 16:00, por Marcos Peris

Portal Lagarto Notícias

Neste domingo que antecede as comemorações alusivas aos 138 anos da cidade de Lagarto, o Portal Lagarto Notícias apresenta uma entrevista exclusiva com Cássio Roniere de Oliveira Aragão, o maestro e presidente da centenária Filarmônica Lira Popular de Lagarto.

Cássio é músico há 22 anos e preside a Lira Popular há cinco anos

Cássio é músico há 22 anos e preside a Lira Popular há cinco anos

Durante a entrevista, Cássio falou dos desafios e conquistas à frente da Lira Popular, bem como do cenário artístico no município. Sério, temente a Deus e de personalidade íntegra, Cássio também falou da sua alegria em residir em Lagarto, ao lembrar-se dos motivos que o fizeram deixar a Banda Calcinha Preta.

E assim como muitos lagartenses, o desejo de Cássio para nossa cidade é somente de mais e mais desenvolvimento.

Confira a Entrevista da Semana na íntegra:

Portal Lagarto Notícias: Quem é o homem por trás daquele maestro sério que desfila nas ruas de Lagarto junto a Filarmônica Lira Popular?

Cássio Roniere: É um homem tão compromissado e feliz com a vida, quanto aquele maestro. Porque é um prazer muito grande ser maestro da filarmônica, pois foi lá onde aprendi a tocar instrumento com o maestro Aldo Sérgio, por volta de 1996, quando eu comecei a aprender música naquela casa também com o incentivo de meu irmão Márcio. Por isso que, à frente da banda, estou sempre sério, mas por trás daquele homem há um homem que também é sério, integro e temente a Deus.

PLN: O que fez o senhor ingressar no ambiente musical, mais precisamente na Filarmônica Lira Popular de Lagarto?

CR: Meu irmão Márcio Rangel já tocava clarinete e saxofone na Lira Popular de Lagarto. Ele começou lá por volta de 1989. E de tanto ouvir o meu irmão tocando em casa, me deu a vontade de aprender. Só que quando fui à primeira vez, não deu certo, porque não consegui me entusiasmar com as partituras, pois achava aquilo muito difícil. Então desisti.

Só que lá em casa, eu ficava assobiando o tempo inteiro, pois gostava de assobiar e ouvir música, sem falar que todas as vezes que meu irmão tocava eu ficava todo arrepiado. Então meu irmão insistiu para que eu fosse outra vez, ai fui e, a partir dai, não desisti mais. Também já estava maior e um pouco mais maduro, apesar de estar com 13 anos, mas compreendi melhor as partituras, as notas musicais, e ai não parei mais. Mas tudo começou assistindo meu irmão tocar em casa.

PLN: Como foram as primeiras apresentações?

CR: Lembro que meu primeiro solo tocando clarinete com o Maestro Aldo. Era um solo bem fácil, tanto é que acertei tocar, mas na hora eu fiquei me tremendo todo e os dedos ficaram bem tensos. Por isso que até hoje, quando o maestro me ver, ele fica brincando comigo.

PLN: Antes de se tornar maestro da Lira Popular de Lagarto, o senhor fez alguns cursos ligados ao saxofone, regência e prática de Banda. Como eles ajudaram a moldar o músico que conhecemos hoje de maneira pessoal e profissional?

CR: Cada curso nos proporciona novos aprendizados e experiências. O primeiro foi o do Painel Funart Banda de Música, que acontece somente de 10 em 10 anos em Aracaju, e esse curso que fiz foi de saxofone com o professor carioca Carlos Malta. Posso dizer que depois de uma semana de curso com ele, eu voltei com outra mente de saxofonista, bem mais aprimorado, sabendo que e o quê deveria estudar mais.

Também fiz um curso de saxofone na cidade de Laranjeiras e quando voltava para casa, voltava com mais vontade de estudar, com mais tópicos. E o último foi outro desse painel, que já era o curso de regência, o qual me proporcionou também uma semana de muito aprendizado, pois aprendi como cobrar mais dos músicos e como incentivá-los, pois ser músico não é fácil. Música é difícil e não é para todo mundo. Então com esses cursos pude aprimorar mais ainda esses caminhos.

PLN: Além de ser maestro, o senhor preside a Lira Popular de Lagarto há cinco anos. Por isso, como é lidar com o aprendizado de tantos jovens aspirantes ao mundo da música?

CR: Não é fácil. A gente conversa muita, dá muito incentivo, mas infelizmente muitos desistem, por acreditar que tocar instrumento é apertar os dedos, quando não é simplesmente assim, pois é difícil e exige muita dedicação. Sem falar que hoje disputamos com as redes sociais e vários outros cursos que acabam tirando um pouco do foco deles quanto a música.

PLN: Enquanto maestro e presidente, o senhor ainda conserva as raízes da centenária Filarmônica Lira Popular de Lagarto?

CR: Conservamos sim, tanto que tem músicas e dobrados militares que a gente toca há décadas, quando eu entrei na banda, elas já eram antigas e a gente continua tocando até hoje. Então que a gente costuma toca-las na Semana da Pátria, 7 de Setembro, e quando o governador está por aqui.

Então continuamos mantendo o mesmo estilo, porque algumas bandas se modernizaram no sentido de colocar uma comissão de frente, não que não seja da nossa vontade colocar, mas é que falta investimento para isso, o que nos impede de colocar uma comissão de frente com porta-bandeira e aquelas coisas. Por isso focamos no tradicional.

PLN: Então qual o diferencial proposto pela sua gestão?

CR: Antigamente, a filarmônica tocava algumas músicas lentas e hoje estamos evitando tocar esse tipo de música, eu gosto de tocar músicas mais alegres, porque envolve mais o público. Às vezes, a gente vai fazer uma apresentação e quando tocamos música lenta, as pessoas se dispersam ou não prestam muita atenção, enquanto que quando tocamos músicas mais alegre, o público fica mais atento.

PLN: Neste cinco anos de gestão, quais desafios e conquistas que o senhor elencaria como os mais importantes para a Filarmônica Lira Popular de Lagarto?

CR: Eu fico muito feliz quando colocamos um músico na banda, um jovem que chega lá com 14 anos e sem nada escrito e que vai seguindo as minhas instruções, depois de dois ou três meses ele pega o instrumento e começa um novo aprendizado, até chegar ao nível de entrar na banda. Isso é muito gratificante para mim. É um trabalho gratificante. Sinto-me feliz e consciente de que estou fazendo um bom trabalho, quando ponho um novo músico na banda.

Eu fico triste quando saem, porque tem uns que vão fazer faculdade e não tem mais tempo; tem outros que ficam sem compromisso e deixam de ir para a banda, o que me obriga a tirá-lo do grupo. Isso é um ponto negativo.

PLN: E os desafios referentes à manutenção da instituição?

CR: A nossa associação possui vários sócios e cada um eles ajudam como podem para manter a banda, porque nós temos sede própria, não temos vinculo político-partidário, a popular politicagem. Isso não existe e falo com muito orgulho, pois somos amigos de todos, o que é positivo porque evita que um gestor A ou B não ligue muito para a banda, como acontece em algumas filarmônicas espalhadas pelo país.

Já as nossas conquistas são em longo prazo, porque não podemos ter instrumentos melhores com pouco dinheiro. A prefeitura historicamente paga o maestro, independente do prefeito, pois é um acordo que nós temos e que já é uma grande ajuda. José Augusto paga as contas de água e energia, a Secretaria de Cultura nos dar água e a limpeza. Mas, enquanto os custos de manutenção são baixos, os equipamentos e fardamentos são caros. Tanto é que temos o mesmo fardamento há 10 anos, era cinza e já está ficando branco.

PLN: Por onde passa, a Lira costuma chamar muita atenção do público. A que se deve este fenômeno? Qual o segredo da Lira Popular de Lagarto?

CR: A música envolve as pessoas, por isso que quando a banda passa pelas ruas, as pessoas saem de suas casas para vê-la, porque a nossa banda é centenária, apesar desse tipo de banda existir há mais de 300 anos. É uma tradição muito forte. Pena que não tem tanto incentivo, mas é tem uma forte tradição e vinculo com a sociedade.

PLN: Lagarto completa 138 anos, enquanto a Lira completa 100. Que avaliação o senhor faz dessas histórias? Foram positivos?

CR: O progresso da filarmônica é muito positivo. Mas falar de Lagarto é falar dos grupos folclóricos e da filarmônica, porque toda vida a filarmônica tocou nesses eventos voltados ao aniversário de Lagarto, da procissão de Nossa Senhora da Piedade, do Novenário. Então Filarmônica Lira Popular de Lagarto e cidade de Lagarto é quase uma coisa só. São histórias que se confundem.

PLN: Muitos artistas lagartenses reclamam da desvalorização que os seus conterrâneos lhes dão. Enquanto músico, em carreira solo, o senhor comunga desta ideia?

CR: Eu acho que o povo de Lagarto é muito exigente, é uma classe que gosta muito do que é bom. Mas o que acontece, em muitas das vezes, é que os estabelecimentos não pagam o que o artista merece receber. Não sei o que está acontecendo, mas eu vejo muito músico reclamando dessa desvalorização.

E eu acho que essa desvalorização se estende há muitas outras coisas a exemplo do nosso comércio. Tanta gente sai daqui para comprar em outros municípios, podendo comprar aqui, ajudando o comercio local. E com a música não é diferente, o cara vale tanto, mas o cara só coloca menos, Lagarto é sempre assim, principalmente os bares. Por isso que só toco em casamentos, noivados, recepções, inaugurações…

PLN: Nesses 22 anos de carreira, o que mais lhe marcou?

CR: O mais me marcou foi ter tocado na banda Calcinha Preta, porque até hoje sinto saudade, mas só o fato de ter tocado nela já foi um sonho realizado. Porque eu sonhava em tocar na Calcinha Preta até que chegou o dia de ingressar nela, e foi através dela que pude conhecer 12 países, tocar em todas as capitais do Brasil. Só de shows, eu fiz mais de 1.300 e gostava demais, mas a banda viajava tanto que eu ficava com muita saudade de casa. Por isso, me preparei, e sai dos grandes palcos.

PLN: Como você tem analisado a situação da Calcinha Preta na atualidade?

CR: Não é fácil manter uma banda por tantos e tantos anos, e ela tem mais de 22 anos, o que por si só é uma luta muito grande. Então a tendência, infelizmente, é cair.

PLN: Qual o traço mais marcante do instrumentista Cássio Roniere?

CR: Cada apresentação é sempre uma nova emoção, porque eu toco com a alma. É sempre muito emocionante para mim, quando pego um instrumento para tocar, seja lá onde for, sinto-me gratificado e com muito prazer pelo que faço. Tocar é o que amo e, além de ser minha profissão, é meu hobby.

PLN: O senhor tem dois CDs gravados, mas somente uma música autoral. Por quê?

CR: Existe uma infinidade de música, por isso não me preocupei muito em compor músicas. Mas tenho uma gravada denominada “A vida é uma história”, que foi inspirada em momentos que vivi na Calcinha Preta. Durante as viagens me vinham algumas melodias, o que me fez escrever a música.

PLN: Enquanto músico, presidente da Lira e cidadão, o que dizer destes 138 anos de Lagarto?

CR: Toda vez que dá dia 20 de abril, me acordo e fico olhando para o céu dizendo: “Meu Deus, hoje é mais um aniversário da minha cidade”, e eu sinto um orgulho muito grande em poder comemorar o aniversário dela e em poder morar aqui. Quando eu viajava com as bandas, eu sempre ficava morrendo de saudade das ruas, das praças, da minha rua. Eu sou um eterno apaixonado pela cidade, e embora meus pais não sejam daqui, sejam de Nossa Senhora da Glória, eu sou nascido e criado aqui e me sinto muito bem morando aqui, e abraçado pela nossa gente.

PLN: Que mensagem deixaria?

CR: Que venha mais 138 e depois mais 138 e que seja infinito. Desejo que a nossa cidade cresça e se desenvolva mais e mais.

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