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Saionara: “O objetivo do meu trabalho é influenciar os líderes da ONU em temas de igualdade de gênero, direito de imigrantes e refugiados”
11 de março de 2018 - 21:21, por Alexandre Fontes
Portal Lagarto Notícias
Na semana dedicada mundialmente a Mulher, o Portal Lagarto Notícias entrevistou a sergipana de família tradicional lagartense, filha do político e ex-prefeito de Lagarto, Jerônimo Reis.
Formada em Direito e Direitos Humanos, Saionara König-Reis, de 30 anos, fala sobre a experiência de trabalhar em vários continentes, convivendo com as mais diversas situações e culturas.
Por que escolheu cursar Direito?
A razão pela qual eu decidi cursar Direito não tem muito a ver com a razão pela qual eu continuei no curso por todos aqueles anos. No primeiro dia de aula na faculdade eu lembro que uma professora perguntou “Quem decidiu fazer Direito para fazer concurso?”. 95% da sala levantou a mão, menos eu e duas outras pessoas. Eu nunca gostei muito da ideia de fazer concurso e de ter, desde o começo, praticamente definido o que você vai fazer pelo resto da sua carreira. Então na época eu pensava que queria ser advogada, mas a verdade é que eu não fazia muita ideia do que eu realmente estava buscando ou do que era a vida para além da única realidade que eu conhecia até então.
Já nos primeiros meses, no entanto, a vida universitária me expôs a um turbilhão de contradições pessoais e sociais. Desde então, eu percebi que o Direito para mim era na verdade um importante instrumento de transformação social e redução das desigualdades. Então antes mesmo de começar a estudar matérias como Direito Comercial ou Civil, eu já sabia que só tinha uma área que realmente me atraía: Direitos Humanos. E isso me abriu um mundo de possibilidades, já que existem diversas maneiras interessantes de trabalhar com esse tema.
Há quanto tempo atua no exterior? Quais principais experiências?
Desde 2011 tenho vivido em um vai-e-vem territorial. Fiz um semestre da universidade em Paris (França), focando na área do Direito Internacional e Direitos Humanos. Em 2013/2014 fiz o meu mestrado em Veneza (Itália) e em Estrasburgo (França), no tema de Direitos Humanos e Democratização. No final de 2014 morei por alguns meses na Etiópia, trabalhando em um projeto de empoderamento econômico de mulheres do campo, com o fim de prevenir o abandono de crianças. Depois dessa experiência riquíssima, voltei ao Brasil para trabalhar como Assessora do Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos em Brasília, até o final de 2015, quando me mudei aqui para Nova Iorque.
Nos últimos dois anos estive trabalhando por um período na Organização das Nações Unidas (ONU) e agora sou a representante de uma organização internacional da sociedade civil, trabalhando principalmente em temas como o direito de imigrantes e refugiados, a construção e manutenção da paz, o desenvolvimento sustentável (como o combate à pobreza e a redução de desigualdades sociais) e a igualdade de gênero (pelo fim da violência contra a mulher e pela igualdade de direitos entre homens e mulheres).
Qual o grande momento que marcou sua trajetória profissional?
No ano passado eu trabalhei ao mesmo tempo para duas organizações muito interessantes, tão interessantes que não consegui largar nenhuma das duas por muito tempo. Além de trabalhar uma média de 15 horas por dia, muitas vezes também nos fins de semana, os dois trabalhos me enviavam em muitas viagens internacionais. Ao menos uma vez por mês eu estava em um continente diferente, em reuniões, eventos, treinamentos, etc. Meu fuso horário interno já não entendia mais nada – são 3h da tarde ou 3h da manhã?
Esta, sem dúvida, foi uma das experiências mais intensas e enriquecedoras da minha carreira. Por um lado, foi incrível poder viajar por quase todos os continentes do mundo em um mesmo ano, compartilhar espaços com tantos profissionais formidáveis de todas as partes do planeta, e vivenciar as diferenças culturais dessa maneira tão dinâmica. Por outro lado, eu pude descobrir quão resistente podemos ser quando trabalhamos com aquilo que nos dá prazer – as longas jornadas de trabalho, a escassez de tempo de descanso, o descuido com a alimentação, com o esporte e com o tempo de lazer… E ainda assim, sobrevivi. Exausta, porém realizada.
Por ser filha de um líder político em Sergipe, por que escolheu seguir outra área que não fosse a carreira política?
O fato de que eu não tenha optado por concorrer a cargos políticos não necessariamente significa que eu não esteja envolvida com a política. Há muitas maneiras de fazer política e, de fato, por mais que eu tenha estudado Direito, a natureza do meu trabalho é muito ligada à política, nesse caso à política internacional. A ONU é como se fosse um “Parlamento” internacional, onde 193 países do mundo criam leis e acordos internacionais (com impacto nas políticas nacionais), estabelecem estratégias e constroem alianças para a implementação de agendas comuns. E Nova Iorque é a principal sede da ONU, onde grandes decisões internacionais são tomadas. Em muito, de fato, a ONU lembra uma estrutura de governo nacional. O meu trabalho não envolve a tomada de decisões em si, mas envolve influenciar as decisões que são tomadas por aqui.
Além disso, eu acredito que cada um/a de nós exercemos uma função política muito relevante, seja no trabalho, em casa com a família, ou na roda de amigos/as. Às vezes nos esquecemos, por conveniência ou falta de hábito, que todos/as nós temos a responsabilidade social e política diária de contribuir com o fortalecimento de valores como a tolerância e práticas como a inclusão e a empatia. Eu gosto de poder praticar e promover esses valores e outros aspectos da política no meu trabalho cotidiano, sem necessidade de participar em eleições. Isso me garante a continuidade do meu trabalho, sem preocupação com ciclos eleitorais para a sua implementação. Isso é, sem dúvida, um trabalho complementar à importante função que desempenham os políticos, especialmente os que estão comprometidos em cumprir com o mandato de garantir que todas as pessoas possam usufruir dos seus direitos e viver em condição de dignidade.
E nisso o meu pai será sempre uma fonte de inspiração para mim e para tanta gente, porque nunca conheci ninguém tão apaixonado pela sua terra e pelo povo como ele é com Lagarto.
Quais os incentivos do seu pai Jerônimo Reis em relação às suas decisões profissionais?
Ainda quando estava na universidade, durante todos os anos do meu curso de Direito eu estive envolvida com o movimento estudantil, em posições de liderança a nível local e nacional. Não creio que seja coincidência que esses espaços políticos sempre sem atraíram, porque para mim a política sempre tudo a ver com direitos humanos: é uma plataforma poderosa de luta por direitos.
Além disso, é inegável que, de um lado, eu cresci com um pai que com alta frequência coloca o interesse de muita gente na frente do seu próprio, sempre com uma incansável energia e disposição para botar a mão na massa e lidar com os desafios que enfrenta Lagarto e o seu povo. Meu pai tem um carisma natural combinado com uma atração irreparável pela política, é incrível. Do outro lado, fui contaminada pelo enorme coração e sensibilidade da minha mãe, Ivone, minha avó, Pureza, e meu irmão, Júnior, pessoas que não medem esforços para dividir tudo o que tiverem com todo mundo ao seu redor e além. Com uns exemplos como esse dentro de casa, seguir essa trajetória profissional era praticamente inevitável.
Quais os desafios que estão traçados para o futuro?
Muito provavelmente, no próximo ano o meu tempo em Nova Iorque chegará ao fim. Esse é o desafio desse tipo de trabalho, que muitas vezes obriga a uma rotação de contratos em diferentes países e organizações. A grande maioria dos contratos da ONU, por exemplo, são temporários e exigem rotação depois de no máximo 5 anos em um mesmo país. Como eu e meu marido trabalhamos em áreas similares, é provável que a nossa realidade acabe sendo meio nômade por um tempo. Isso gera um grande desafio porque não nos permite fazer planejamentos de longo prazo, além de significar que temos sempre que aplicar para novas vagas de emprego e torcer para que tudo dê certo para os dois, de preferência ao mesmo tempo, e em um mesmo país (seja lá qual for). Então no ano que vem recomeçaremos com essa ginástica: Qual será o próximo passo? Para que país vamos? Por onde começar?
Sempre que me perguntam para onde vamos depois do próximo ano, é um pouco assustador (e ao mesmo tempo instigante) não ter nenhuma ideia da resposta.
Qual a sua atuação na ONU?
No ano passado trabalhei para o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) em temas de paz, justiça e inclusão, no contexto da agenda internacional para o desenvolvimento sustentável (Agenda 2030). Eu liderei a organização de treinamentos para representantes de órgãos de governo, setor privado e sociedade civil de mais de 25 países, fomentando, por exemplo, modelos inclusivos e participativos de governança. Em função desse trabalho fui convidada a contribuir com a última edição da revista da UNESCO/CETIC.BR no tema de participação cidadã na era digital (e-participação).
Atualmente, meu trabalho com a ONU se dá desde a perspectiva da sociedade civil. Na função de Diretora do Escritório de Nova York da organização espanhola Dianova Internacional, o objetivo do meu trabalho é influenciar os líderes da ONU em temas de igualdade de gênero, direito de imigrantes e refugiados, paz, e desenvolvimento sustentável. Em coordenação com organizações civis de todas as partes do mundo, lutamos para que as decisões internacionais tomadas na ONU caminhem na direção de construir sociedades mais justas e igualitárias para todas e todos. Durante o mês de março, por exemplo, dentro e ao redor da ONU, realizamos uma série de atividades para promover o empoderamento das mulheres e a conquista de seus direitos.
Já lançou ou pretende lançar livros sobre a sua experiência profissional em virtude das viagens em diversos continentes?
Minha mãe sempre sugere que eu faça isso, mas pelo visto eu ando muito desobediente!
Qual a mensagem que deixa aos leitores do Portal Lagarto Notícias?
Aproveitando que estamos na semana da mulher, minha mensagem é de esperança. Esperança para uma geração de mais igualdade entre homens e mulheres. Uma geração que eduque garotas e garotos para que se respeitem e se apoiem mutuamente; que não oprima e que não imponha expectativas e papeis sociais a nenhuma pessoa em função do seu gênero. Uma geração que permita que a meninas tenham ambições com seus estudos e com suas vidas e que possam realizar cada um dos seus sonhos; que elas cresçam para ser independentes e que não tenham que enfrentar discriminação direta ou indireta em casa, na rua, ou no trabalho; que elas possam ser livres e que vivam em um mundo sem violência contra a mulher. Que elas tenham acesso às mesmas oportunidades e que se atrevam cada vez mais a ocupar espaços tradicionalmente masculinos, incluindo a política e as profissões de ciência e tecnologia. E que cada um de nós, homens e mulheres, tenhamos a coragem e a disposição para mudar nossos pequenos hábitos e fazer a nossa parte para que esse mundo de mais igualdade seja possível.