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Maurício Bovo: 99% dos problemas ligados às drogas estão relacionados a problemas familiares
6 de agosto de 2017 - 16:00, por Marcos Peris
Portal Lagarto Notícias
Nesta semana, o Portal Lagarto Notícias entrevistou o ex-dependente químico e coordenador da Fazenda da Esperança em Lagarto, Maurício Bovo, de apenas 38 anos. Na oportunidade, Bovo deu o seu testemunho a respeito da época em que era usuário de cocaína e crack, como também falou dos desafios em enfrentar os problemas ligados ao assunto.
Com 18 anos de experiência no tratamento de dependentes químicos, Maurício também informou que a maioria absoluta dos problemas relacionados ao uso de entorpecentes está relacionado aos problemas familiares. Além disso, ele apontou sugestões para resolver os problemas ligados ao assunto.
Em relação a Fazenda da Esperança, Bovo contou um pouco do se passa dentro daquela instituição, bem como relatou o clima de expectativa dos internos pela chegada definitiva do futuro Bispo Emérito da Igreja Católica, Dom Mário Rino Sivieri.
Confira a Entrevista da Semana na íntegra:
PLN: Quem é Maurício Bovo?
Maurício Bovo: Sou uma pessoa que luta pela vida e para viver.
PLN: Como você conheceu a Fazenda da Esperança?
MB: Conheci a Fazenda quando mais precisei dela, ou seja, na época em que me envolvi com as drogas e com o álcool. Foi a partir disso, que a minha mãe procurou ajuda para mim e, através de uma pessoa que trabalhava na cidade, ela obteve as informações sobre a Fazenda da Esperança.
Eu sou do interior de São Paulo, da cidade de Araras, mas antes da minha mãe, eu nunca tinha sequer ouvido falar da Fazenda.
PLN: Antes de conhecer a Fazenda, a sua mãe pediu para que você fosse demitido do banco em que trabalhava. Então quem era o Maurício antes de conhecer a Fazenda da Esperança?
MB: Eu venho de uma família bem estruturada, então pude fazer vários cursos técnicos e superiores. Além disso, eu era uma pessoa responsável que gostava de trabalhar e estudar, até conhecer a droga.
Quando as drogas entraram em minha vida, eu passei a ser uma pessoa que chegava em casa simplesmente com um short emprestado, porque estava vendendo as roupas e a comida congelada da minha casa para sustentar o meu vício. Por isso, posso dizer que foi uma mudança brusca do Maurício de antes e do Maurício depois das drogas.
PLN: O que faz um indivíduo ingressar no mundo das drogas? Em especial, o quê que te fez ingressar nesse meio?
MB: No meu caso, eu vivia muito com amigos e a gente gostava muito de beber nos finais de semanas e tal. Até que um dia, um dos jovens que não eram do nosso grupo foi para um churrasco conosco, levou cocaína e nos ofereceu. Na hora, todos quiseram provar e eu não quis ficar para trás. Eu era uma pessoa fechada para conversa, mas o efeito da cocaína fez com que eu me soltasse e se sentisse mais livre, mais falante e com uma maior autoestima.
PLN: Foram quantos anos dependendo da cocaína?
MB: Foram sete anos usando a droga, mas nos últimos dois anos eu mergulhei no crack. Esse foi o período mais difícil. Mas enquanto eu usava a cocaína, alguns amigos já usavam o crack, droga que eu falava mal dizendo que “isso de jeito nenhum”. Só que chegou uma hora que, depois que perdi o trabalho no banco, o poder aquisitivo havia diminuído e o crack era mais barato. Então acabei entrando de cabeça no crack e as coisas foram piorando muito.
PLN: A demissão tinha sido a pedido da sua mãe.
MB: Isso. Ela percebeu que a minha situação estava muito séria e eu não aceitava. Então ela falou para mim o seguinte: “Se você perder o seu trabalho no banco, perder a faculdade, você vai ter que se recuperar”. E eu tinha muita certeza que não seria demitido, porque mesmo usando a droga, eu era muito responsável neste sentido.
Então eu sabia que não perderia trabalho, mas ai, sem eu saber, ela foi ao banco, falou com gerente, explicou que eu estava usando drogas, eles não acreditaram, e pediu a minha demissão. Minha mãe fez isso porque ela acreditava que eu teria uma overdose. Inclusive, lembro de ter cruzado com o gerente do banco na saída de uma boca. Ele estava me verificando.
PLN: Como foi depois da demissão?
MB: Eu tive que aceitar a proposta da minha mãe e procurar ajuda na Fazenda da Esperança. Quando cheguei lá, eu nem imaginava que fosse ficar na fazenda por muito tempo. No começo foi difícil me adaptar com o trabalho braçal de uma fazenda e em dividir o quarto com outros internos, porque eu sentia que o meu caso era diferente dos outros, uma vez que eu trabalhava em banco.
Entretanto, depois que o tempo foi passando, eu percebi que todos tinham uma dor e uma dificuldade do passado, que os fizeram ir para as drogas para esquecer os problemas. Para os usuários, a droga é como se fosse uma anestesia da realidade.
PLN: Como foi o retorno a sociedade depois dos 12 meses de tratamento?
MB: Quando sai da Fazenda, o meu foco era provar para mim mesmo que eu poderia voltar para a sociedade, trabalhar, estudar, ter um namoro decente e fazer as coisas da maneira correta, sem precisar retornar as drogas. E Deus me deu essa graça, porque eu consegui voltar para o banco, mesmo com todos sabendo que eu era um ex-dependente químico.
Essa oportunidade me chamou a atenção, porque eu não precisava esconder quem eu era. Eu me recuperei na fazenda de Garanhuns, trabalhei no banco daquela cidade por três anos, e lá mesmo conheci a minha esposa. Depois disso, eu comecei a me questionar porque eu já tinha tudo, tinha resolvido o problema com as drogas e a minha vida estava boa, mas e os outros que estavam passando por esse problema?
PLN: Você nunca se desligou da Fazenda da Esperança.
MB: Não. Fora dela, nós temos um grupo chamado Esperança Viva, que faz um trabalho de acompanhamento e manutenção dos ex-internos. Então a gente fica se alimentando da fazenda, através daquilo que deixou a gente bem lá dentro, que não foi a estrutura física, mas sim o que aprendemos lá dentro. Esses aprendizados você tem que levar consigo para a sociedade, senão você somente vai ficar bem lá dentro e a intenção da fazenda não é essa. Se você não ficar bem dentro da sociedade, você vai recair.
PLN: Qual o principal aprendizado que a Fazenda da Esperança transmite aos seus internos?
MB: A fazenda refaz o indivíduo por dentro, como se ele recomeçasse a sua vida novamente, e ela tem três pilares essenciais que são: o trabalho como forma de recuperar a dignidade e a autoestima; a espiritualidade através da reflexão e renovação com esse Deus que cada um tem e acredita; e o relacionamento com os outros, desta forma na Fazenda ninguém é melhor do que ninguém, pois estamos todos no mesmo barco. Então você acaba olhando para os outros de maneira diferente, porque lá não é o status ou o dinheiro que manda, porque procuramos nos relacionar como irmãos.
Portanto, esses três pilares formam a base da nossa vida novamente, e a gente começa a enxergar o mundo e as coisas de forma diferente, porque chegamos no fundo do poço. Então você começa a valorizar uma refeição, um momento de conversa, a família, o trabalho e as coisas simples da vida. Quando você sai da Fazenda, você passa a dar uma valor muito maior as coisas, porque você se viu sem elas por um tempo.
PLN: Nos três primeiros meses, para além da dificuldade, qual seria a maior dificuldade compartilhada entre os internos?
MB: O problema maior é conseguir com que cada um tenha uma verdadeira abertura do coração, porque a gente começa a perceber que o problema não está na droga e no álcool, mas sim nos problemas que ao não ser suportado acaba levando as pessoas a procurarem ela. Ou seja, você somente vai para as drogas se tiver algum problema, porque uma pessoa realizada não vai procurar as drogas.
Então a maior dificuldade é fazer com que as pessoas acreditem na própria recuperação, por isso que os testemunhos são importantes no tratamento, porque ao ver o que o outro passou, você acaba sendo motivado a querer a própria mudança.
PLN: O que a Fazenda da Esperança significa para você?
MB: A Fazenda da Esperança para mim é tudo, porque ela me acolheu no momento mais difícil da minha vida. Imagine que as famílias não aguentam conviver com os parentes que são dependentes, então a fazenda me acolheu. E se sentir acolhido no momento de dificuldade acaba gerando um sentimento de amor pela instituição.
PLN: Por falar em famílias, qual conselho você daria para aquelas pessoas que possuem um dependente químico em suas casas?
MB: O que posso dizer, baseado na minha própria experiência, é para que as pessoas procurem ajuda, porque a minha mãe não conseguia lidar comigo, mas procurou ajuda em grupos de apoio, em que ela poderia desabafar e receber a melhor orientação para lidar comigo. Por exemplo, o ato dela de pedir a minha demissão, foi um gesto de muita coragem e de muita fé da parte dela. Ela foi firme comigo mas nunca desistiu de mim. Tanto que quando fui para a fazenda, ela me disse: “Você não volte aqui antes dos 12 meses. Eu quero que você conclua o seu tratamento”.
Enquanto isso, ela mostrava que meu quarto continuava lá, que estava disposta a me acolher, mas ela não passou a mão na minha cabeça e nem deixou que eu a manipulasse como fazia para conseguir dinheiro para as drogas. Então o conselho é ter muito amor, mas ser firme. Quando a gente consegue isso, acabamos os usuários a tomar uma decisão sobre si. Agora é importante que as famílias busquem ajuda.
PLN: Como é o tratamento dentro da Fazenda da Esperança?
MB: As pessoas chegam lá com uma carga negativa muito grande, e o nosso trabalho é escutar e se fazer amigos dessa pessoa. Quando elas começam a soltar a sua carga negativa, acabam sentindo um certo alívio e já começam a enxergar as coisas de uma maneira diferente. E ai, através da camaradagem, da oração e da conversa eles vão encontrando forças para a caminhada.
Paralelamente, a gente vai trabalhando com a família para que ela não fique presa as coisas negativas que aconteceram e deem um voto de confiança para o interno recomeçar a sua vida. Portanto, o nosso trabalho é escuta-los e caminhar junto com eles, porque é sempre muito mais fácil jogar a toalha e voltar atrás. Então eles precisam encontrar pessoas que acreditem neles, e nós acreditamos em cada um que está ali.
PLN: Qual a orientação que vocês dão aos jovens que retornarão à sociedade? Infelizmente, eles vão encontrar resistência por parte da sociedade.
MB: A gente diz para eles não esperarem que a sociedade estenda o tapete vermelho para eles, porque nós demos motivos para a sociedade não acreditar em nós. Então devemos estar preparados para essa desconfiança, por isso trabalhamos no período de um ano a ideia de que: cada ato acertado de amor e de tomada de decisões correta, vai apagando aquela imagem que ficou.
Para mim foi muito difícil retornar ao banco, mas no dia a dia, as atitudes tomadas, a pontualidade, o cumprimento a todos sem distinção. A fazenda mudou meu olhar, não era um peso trabalhar, mas sim uma honra. Tanto que eu chegava mais cedo para ajudar os aposentados na fila do caixa eletrônico, sem ganhar um centavo a mais por isso, porque eu não gostava de vê-los perderem tanto tempo naquela fila. Com isso, eu ganhei tantas frutas, tantos gestos de amor, que dinheiro nenhum seria capaz de pagar.
PLN: A Fazenda te ajudou a valorizar pequenas coisas já desvalorizadas pela sociedade.
MB: Exatamente. A fazenda não o local para usarmos simplesmente para sair das drogas, ela ensina muita coisa. Então eu fico feliz com esse aprendizado, pois hoje eu olho a vida de uma maneira totalmente diferente, graças a experiência negativa que tive com as drogas. É confuso de entender, mas a desgraça da minha vida hoje faz a diferença em minha vida.
PLN: Em sua ótica, como tem analisado a política de combate as drogas adotada pelos governos, de modo geral?
MB: Acredito que ainda podemos fazer muito mais, principalmente, no campo da prevenção. A gente fala muito do tratamento, mas a prevenção é importante e a Fazenda da Esperança pode ajudar muito nisso. Devemos fazer muito mais porque a realidade da droga está cada vez pior. Ela está adentrando e destruindo os lares cada vez mais cedo.
Por isso penso que devemos trabalhar a prevenção através das famílias, porque muitas vezes a atitude dos pais em relação aos seus filhos favorece a criança a sair de casa e encontrar satisfação nas drogas. 99% dos problemas relacionados as drogas está relacionado com problemas familiares. Falo isso com a propriedade de 18 anos de experiência ouvindo os internos, sem falar da minha própria.
PLN: Você acredita que a legalização de certas drogas resolveria o problema?
MB: Não resolveria. Se hoje é assim, imagina com a legalização. Acredito que temos que combater porque não faz bem e se não faz bem para as pessoas, não tem porquê legalizar. Além disso, quem consome não tem consciência daquilo. E nem o uso equilibrado de droga não ajuda ninguém.
PLN: Nem a maconha?
MB: Nem a maconha, porque qualquer coisa que faça você experimentar um mundo fora da realidade não pode ajudar. Como isso pode te ajudar a resolver os problemas se está te levando para fora da realidade? Você tem que aprender a enfrentar a realidade que está te causando mal.
PLN: Mudando de assunto. Como está sendo a recepção a Dom Mário, após o anuncio de que viveria o resto da vida na Fazenda da Esperança?
MB: Nossa! Os jovens estão todos empolgados porque Dom Mário, quando chega, tem essa coisa muito pessoal com cada um. Ele vai e conhece cada um pelo nome, conversa, dar atenção, então ele é uma presença muito amorosa com aquele jeitão dele, de dar um tapão na cara as vezes. Mas é um pai, coisa que muitos jovens encontram nele porque muitas das vezes nem tiveram. Isso faz a gente se sentir em casa.
PLN: O quê que se comenta na fazenda sobre a escolha dele?
MB: Todos acham que ele teria um conforto maior se voltasse para a sua terra natal, que é a Itália. Mas o que chama atenção é ele querer ficar conosco enquanto a sociedade rejeita. É um sinal de amor muito grande e a gente se alegra em ter esse pai conosco.
PLN: Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para o povo e para a população?
MB: Não desanime perante os problemas, porque tudo tem solução. As dificuldades existem, mas elas não podem dar a última palavra.