Estudante supera limitação visual total e conclui graduação na UFS de Lagarto

16 de junho de 2017 - 08:47, por Alexandre Fontes

Ascom UFS Lagarto

Ter a capacidade de estudar, discutir e propor condições para uma qualidade de vida digna dos indivíduos, dentro de preceitos éticos, morais e socialmente justos deve ser um dos perfis do bacharel em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Sergipe, presente no texto do Projeto Pedagógico do curso. No último dia 7/6, no Campus Universitário Professor Antônio Garcia Filho, todas estas qualidades foram demonstradas pela a aluna Simone de Almeida, 30. Em todo o estado, a Universidade Federal de Sergipe é a única instituição a ofertar o curso.

Nascida em Campo do Brito, a 30 km de Lagarto, a mãe de José Artur, 10, e a esposa do senhor José Augusto, 50, tornou-se a primeira deficiente visual total, que a afetou desde 2006 em virtude de deslocamento de retina, a concluir a graduação de Terapia Ocupacional no país, após a aprovação do Trabalho de Conclusão de Curso, cujo tema foi “Intervenção da Terapia Ocupacional no desempenho ocupacional da sexualidade em pacientes com lesão medular”, sob orientação da professora Aristela de Freitas Zanona.

“Esse estudo consistiu de práticas em Educação em Saúde sobre lesão medular e sexualidade para pacientes com esse diagnóstico, além de dinâmicas de valorização da autoestima, simulação de posições sexuais consideradas difíceis de ser executadas por estes pacientes, exercícios de fortalecimento perineal, dos membros superiores, inferiores e do tronco. A pesquisa ocorreu entre os meses de janeiro a março do presente ano”, explicou a professora Aristela.No período, 2 pacientes foram acompanhados.

A docente ministrou aulas para Simone em 2014 e em 2016 e afirmou que ao longo do curso a estudante aprendeu a silenciar as vozes que insistiam em afirmar o “não” para ouvir apenas a mensagem de que todos, independente de uma situação de deficiência, tem potencialidades. “Durante os atendimentos aos pacientes ou na execução de tarefas em sala de aula, a deficiência com que Simone foi rotulada por anos cedeu lugar à eficiência, à competência e à dedicação”, comentou.

Área da Saúde sempre foi preferência

“Eu escolhi Terapia Ocupacional porque eu vi que era uma área que era nova em Sergipe. Não sabia muita coisa sobre ela. Mas eu vi que trabalhava com tantas coisas e eu vi que poderia me encaixar nela. Eu vi que tinha a possibilidade, sendo cega, ser uma profissional dessa área. Eu me enxerguei dessa forma. E foi por isso que tentei a Terapia Ocupacional. Porque sempre quis a área da saúde. Mas eu vi que todas as outras áreas eu não me encaixava nelas, não caberia nelas. A Terapia Ocupacional parecia um pouco mais com as minhas possibilidades”, explicou.

(Foto: colaboração professora Aristela de Freitas Zanona)

(Foto: colaboração professora Aristela de Freitas Zanona)

Relacionamento com colegas e com professores

Ela descreveu as dificuldades dos professores. “No primeiro ciclo, nas aulas de laboratório, os professores ficaram preocupados de como iam me passar aquele conhecimento porque a gente tinha que ver no microscópio aquelas células. Como eu ia ver isso?Como ia fazer a prova disso? Confeccionaram pra mim muitas células com o biscuit. Fizeram igual como eu tinha que ver no microscópio”.

O histórico da estudante não apresenta reprovações e a dificuldade maior foi no primeiro ciclo, em virtude da ausência de material adaptada para a limitação física.”Eu nunca tive dificuldade em relação aos meus estudos, a partir do momento em que o Nilson (Andrade) chegou aqui. No começo sim, no começo foi uma batalha muito grande, foi uma luta muito grande, por conta da acessibilidade de materiais, que eu tinha muita dificuldade. Mas também nunca cheguei a perder nenhum módulo. Sempre consegui dar conta”, explicou.

“O trabalho das professoras do Departamento de Terapia Ocupacional foi o que contribuiu para que o trabalho ficasse bem feito, pois elas me mandavam o material com longo período de antecedência para que eu pudesse transcrever esses materiais e entregar no período que seriam utilizados”, afirmou o servidor José Nilson Andrade dos Santos.

Nilson informou que foram cerca de 10 livros, mais de 180 artigos, cartilhas sobre saúde da criança, saúde do idoso, saúde da mulher, as 29 páginas do TCC com tabelas, além de artigos, que foram transcritos para arquivos audíveis, como o “txt”, de modo que permitisse a aluna ouvir os conteúdos de forma mais rápida. Ele utilizou programas como Dosvox e Jaws para atender mais rapidamente as demandas de Simone.

Agradecimentos

“Minha família, meu filho… acima de tudo claro, meu Deus,meu pai, meu senhor, que ele sim, me deu a minha família, meu filho, meu principal motivo de batalha,de ir atrás das coisas.Minha mãe,uma mulher, que nunca teve estudo, que nunca estudou, mas que sempre fez o possível para que eu consiguisse estudar, ser educada. Hoje sou a primeira filha dela que tem nível superior. Então isso não tem preço. Poder dar isso para minha mãe, realmente é maravilhoso, poder proporcionar isso para ela.Meu esposo, aqui sempre ao meu lado, paciente, me ajudando em tudo que preciso, em tudo que ele podia estar me ajudando. Então é muita coisa legal. Foram essas pessoas que me fizeram, que deram força, que me fizeram chegar onde cheguei”, agradeceu a aluna.

A estudante e o servidor Nilson Andrade, da Biblioteca, transcritor do Sistema Braile (Foto: Ascom UFS Lagarto)

A estudante e o servidor Nilson Andrade, da Biblioteca, transcritor do Sistema Braile (Foto: Ascom UFS Lagarto)

(Foto: colaboração professora Aristela de Freitas Zanona)

(Foto: colaboração professora Aristela de Freitas Zanona)

Um exemplo

“Simone é um exemplo de superação, para a UFS, especialmente, para o curso de terapia ocupacional. Uma discente que permaneceu sempre determinada e que buscou durante todos os ciclos superar suas barreiras da melhor maneira possivel, demonstrando alem de um intenso compromisso, responsabilidade e ética com o curso de terapia ocupacional”, declarou a coordenadora do curso de Terapia Ocupacional, professora Raphaela Schiassi Hernandes Genezini.

A docente afirmou que a aluna veio alcando os objetivos que tem na sua vida e proporcionou compreender “que temos muitas possibilidades na vida, independente de nossas dificuldades, sendo que essas possibilidades dependem de nossa entrega e movimento no mundo, alem de nossas escolhas que podem ser: ficar parado com pena de mim mesmo ou buscar realizar os nossos objetivos e planos”. Segundo a professora, Simone buscou ampliar as possibilidades de vencer na vida e fez isso de uma maneira tranquila, emocionante e especial.

Planos para o futuro

Defendida o TCC, a estudante quer dar continuidade e cogita a especialização ou o mestrado.“Vou ver se consigo mestrado. Mas aí eu tô pensando no mestrado… vou ver se consigo na área que eu gosto que é reabilitação, vou ver quais (instituições) oferecem ou da educação inclusiva, mas aí se não der certo também pode ser daqui mesmo desse núcleo (do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde-PPGCAS, em Lagarto). Outra possibilidade que eu vejo é da especialização, se der certo também. A minha especialização quero ver se consigo na educação inclusiva”, contou.

Simone e professora Aristela. "Orientar essa aluna foi uma das experiências mais enriquecedoras que já vivi! Aprendi que como professora nem sempre preciso ter todas as respostas prontas" (Foto: colaboração professora Aristela de Freitas Zanona)

 (Foto: colaboração professora Aristela de Freitas Zanona)

A aluna demonstra a utilização de um dos programas adaptados para acessar os conteúdos das disciplinas (Foto: Ascom UFS Lagarto)

A aluna demonstra a utilização de um dos programas adaptados para acessar os conteúdos das disciplinas (Foto: Ascom UFS Lagarto)

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