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Dona Menininha: “Não sou na frente de ninguém, mas não vejo ninguém na minha frente”
14 de maio de 2017 - 18:25, por Marcos Peris
Portal Lagarto Notícias
A Entrevista da Semana é com a lagartense e primeira aluna negra do Colégio Nossa Senhora da Piedade, Elizabete da Pureza Machado, popularmente conhecida como Dona Menininha. Com 75 anos de idade e um espírito de 30, Elizabete relembrou os tempos de infância, a luta da sua família adotiva para não deixar que ela fosse humilhada e vítima de racismo, além de rememorar os tempos da Ditadura Militar em Lagarto.
Ainda na Entrevista da Semana, Dona Menininha fez duras críticas a sociedade lagartense e a sua política. Ela também deixou um conselho para as jovens que estão tornando-se mães precocemente.
Com uma vivência de estrela – como gosta de falar -, Menininha sempre procurou ser uma mulher independente, que nunca se permitiu ser melhor do que ninguém e vice-versa.
Confira a Entrevista da Semana na íntegra:
Portal Lagarto Notícias: Quem é Dona Menininha?
Dona Menininha: Eu sou uma pessoa que nasceu e se criou aqui em Lagarto. Sou da família de João de Zizia, dos Machados, na qual tive quatro irmãos que foram coronéis da Polícia Militar e que trabalharam em todas as cidades do estado, menos em Lagarto porque não queriam prender um conterrâneo sequer.
Além disso, fui criada por Isaura de Menezes Dória, pois fiquei órfã de pai e mãe aos 03 anos de idade. Mas fui muito bem criada, tive uma infância maravilhosa e é por isso que sou a mulher que sou, sem traumas de infância e sem preconceito, porque a minha mãe me criou fazendo com que eu aceitasse a minha cor e não deixasse que ninguém quisesse ser maior do que eu, tanto que o meu lema de vida é: “Não sou na frente de ninguém, mas não vejo ninguém na minha frente”.
PLN: Foi dessa criação que surgiram os apelidos de “Xuxa Preta” e “Menininha”?
DM: Sim, porque eu era muito bem criada. E sou eu quem diz que era uma Xuxa Preta, porque naquele tempo Xuxa era estrela e eu me achava estrela. Eu fui criada como estrela.
Já o apelido de Menininha surgiu porque eu era muito miudinha e quando minha mãe adotiva me arrumava e eu ficava me achando bonita, ela ficava me chamando de Menininha, e por Menininha ficou. Menininha de Dona Isaura.
PLN: E como era a Menininha de Dona Isaura na infância e adolescência?
DM: Eu era uma estrela. Juntava-me com Dona Edla Ribeiro – de Cabo Zé – e andávamos no miolo de Lagarto. Eu fui criada dentro mesmo da sociedade lagartense, e nesse meio ainda vivo. Além disso, eu participava de tudo que era festa e desfile porque a minha mãe adotiva me colocava.
Também estudei nos melhores colégios de Lagarto. Em 1953, eu fui diplomada ao concluir o 4° ano primário, coisa que naquele tempo era festa mesmo, inclusive um dos meus colegas foi o pecuarista Landulfo Almeida. Depois disso, a minha mãe me perguntou o que queria ser, eu disse que queria ser professora porque naquela época a mulher somente poderia ser professora ou costureira. Daí, eu fiz o exame de admissão no Atheneu Sergipense, em Aracaju, onde morei com meus tios, até que surgiu o Colégio das Freiras com o curso de normalista – para quem queria ser professora- ai voltei para Lagarto e me matriculei lá. Fui a primeira aluna negra do Colégio das Freiras, que foi crescendo ao longo de tempo.
PLN: A senhora enfrentou algum tipo de preconceito durante a sua passagem pela instituição?
DM: Não, somente por parte das colegas. Mas, como eu não me dava por vencida, minha mãe adotiva mandava trazer um tecido de São Paulo para fazer a minha farda, porque era para ser melhor que todas as outras colegas. Sem falar que o meu material escolar vinha todo de Aracaju, era somente o melhor. Minha mãe e meus tios faziam isso justamente para que eu não fosse humilhada.
Além disso, eu sou de uma família de pessoas inteligentes, então nunca precisei ser aprovada por debaixo dos panos e nunca reprovei porque eu comia livro, e ainda como. Resultado, eu fui professora aos 18 anos.
PLN: Mas a senhora tem seis filhos, como conciliou?
DM: Naquela época eu tomei a decisão de não me aposentar leiga e continuei os estudos. Quando vinha um filho, eu parava os estudos; quando ele ficava durinho ao ponto de deixa-lo com a empregada, eu retomava os estudos e o trabalho.
Eu toda vida fui ousada, me casei tendo o meu emprego, sempre tive empregada e sempre fui uma mulher independente. Eu tive seis filhos, imagine quantas vezes eu não tive que parar os estudos, mas terminei. Quando terminei, foi quando tive as gêmeas.
PLN: E como a senhora descreveria a sua experiência como aluna e como professora no Colégio Nossa Senhora da Piedade?
DM: Ave Maria! Eu não tenho o que dizer. Mas lembro de que tinha uma colega invejosa que puxava a carteira para olhar as minhas notas, mas eu nunca me dei por vencida porque eu luxava, lanchava do bom, tinha meu colégio pago, vivia bem demais com a família adotiva… É por isso que digo que era uma Xuxa Preta.
PLN: A senhora é uma fã declarada da Banda Los Guaranis, que perdeu espaço nos últimos anos. Como à senhora avalia esse fenômeno?
DM: Eu acho ridícula essa desvalorização do que é nosso. O Colégio Nossa Senhora da Piedade, por exemplo, vai comemorar o Setentão e chamou a Orquestra Oasis, desprezando Los Guaranis, uma prata da casa. O lagartense tem que valorizar mais aquilo que é seu. A Bahia toda conhece Los Guaranis.
PLN: Mudando de assunto. A senhora viveu os anos da Ditadura Militar no Brasil, mas como foi esse período em Lagarto? A juventude era combativa?
DM: Na época tinha vários bailes, cinemas, concursos de moda para as moças todos os domingos. Muitos cantores de renome nacional vinham para Lagarto, eu cheguei a assistir Roberto Carlos aqui no Cine Glória. Mas houve pessoas que foram presas por ir de encontro com a ditadura, teve muitas prisões, mas eu não me lembro disso muito bem porque a gente só ouvia falar. Jackson Barreto e Seixas Dória eram pessoas que ouvíamos falar.
Em 1964, eu já era professora. Naquele ano foram realizadas amostras de coisas consideradas subversivas, mas eu não lembro bem do ambiente político daquela época. Só sei que a gente tinha que viver de acordo com a época.
PLN: A senhora tem 75 anos, neste período muita coisa mudou. Entretanto, o que a senhora considera que não mudou em Lagarto?
DM: A educação do nosso povo. Eu digo todos os dias que Lagarto cresce para baixo, como rabo de besta, porque enquanto a cultura cresce, o nosso povo deixa muito a desejar por não se polido, inclusive eu. Nosso povo é muito agressivo, o lagartense é muito eu, eu e eu. Por exemplo, você não ver cortesia em ônibus ou em fila de igreja, pois se põem os banquinhos da igreja, é capaz de derrubarem o outro.
Nós, lagartenses, temos um paladar adoçado, nós comemos bem; o luxo deixa transparecer que Denner – famoso costureiro francês – nasceu em Lagarto. Apesar de ser terra de Silvio Romero e tantos outros, nós ainda deixamos muito a desejar.
PLN: Politicamente mudou?
DM: Só Jesus na causa. Eu assisti a disputa entre a UDN de Dionísio Machado e o PSD de Acrísio Garcez, e naquele tempo eles se respeitavam e o povo respeitava. Hoje é uma coisa triste, porque a política virou comércio e quem for pobre não entra. Eu já fui candidata à vereadora para cumprir a cota dos 30% para mulheres, e fiquei na suplência, pela chapa de Jerônimo. Na época queriam tirar Cabo Zé.
Eu sou da antiga UDN – hoje Saramandaia – e continuarei até a morte, mas se não gostar do candidato, eu não voto como já aconteceu umas três vezes. Meu voto é muito valioso e eu não sou politiqueira, eu sou politizada.
PLN: O que dizer desses quatro meses da administração Valmir Monteiro?
DM: Isso não serei eu quem irá julgar, mas estou com minha rua às escuras tem duas semanas. Já liguei para o rádio e nada. O povo quis, então aguente. Eu sei que nenhum político presta, todos são defeituosos, mas sempre tem aquele que tem mais história e serviço prestado.
PLN: Qual ensinamento dar aos seus filhos em relação à política?
DM: Digo para eles estudarem para serem aprovados entre os primeiros em concurso público, para que sejam chamados na primeira lista e assim não dependam de político algum.
PLN: A senhora considera o lagartense politizado ou politiqueiro?
DM: Politiqueiro. É aquele povo da política do tititi, na qual um faz e o outro vem e desfaz sem nem pensar no povo, só para prejudicar o adversário na eleição. Acho que se um político fez um projeto que beneficia o povo, este não deve ser desfeito, mas aprimorado porque quem sai ganhando é a cidade.
PLN: A senhora acredita que um dia esse estilo de política cesse em Lagarto?
DM: Acredito que sim, mas para isso é necessário que os jovens se entrosem na política com a mente lavada, com novas ideias ao invés aquelas mentes arcaicas dos Pebas e Cabaús. A coisa é séria.
PLN: Com 75 anos e seis filhos, neste domingo de Dia das Mães, se a senhora pudesse deixar um conselho para as novas mamães, qual seria?
DM: Eu diria para as mulheres não façam do casamento um meio de vida. Eu não fiz isso no meu tempo, que a gente somente poderia ser professora ou costureira, quanto mais hoje que as mulheres podem até governar o país. Portanto, antes de se casar, seja dona do seu nariz.