Angélica Amorim: “Uma metamorfose ambulante”

23 de abril de 2017 - 15:42, por Marcos Peris

Portal Lagarto Notícias

Ainda nesta semana em que a cidade de Lagarto completou 137 anos, o Lagarto Notícias entrevistou Angélica Amorim, uma lagartense que há muito vem engrandecendo o nome da cidade seja através da educação, das apresentações teatrais e na Academia Lagartense de Letras.

Entrevistada da Semana

Entrevistada da Semana

Amorim é professora das redes estadual e municipal, gerente e fundadora do grupo teatral Cobras & Lagartos e membro da Academia Lagartense de Letras, que também aniversariou esta semana.

Durante esta edição da Entrevista da Semana, a imortal falou dos desafios de ser professor, das dificuldades em produzir cultura no estado de Sergipe, além de ter feito críticas a representação do Sintese Lagarto e ao reajuste proposto pelo Executivo Municipal ao magistério.

Confira a Entrevista da Semana na íntegra:

PLN: Quem é Angélica Amorim?

Angélica Amorim: Quanto ao eu profundo sempre me conceituo como “uma metamorfose ambulante”, acredito que nossa maior missão aqui neste plano é a evolução espiritual através de um processo catártico que nos transforma em seres mais humanos.

Fui abençoada com a maternidade de três doces mulheres, as gêmeas Sofia e Eulália e a intrépida Alice. Elas me definem.

No mais, sou licenciada e mestre em Letras pela UFS, além de possuir especializações nas áreas cultural, educacional, de projetos e de gestão, entre outras; atuo como produtora, administradora e atriz da Cia de Teatro Cobras e Lagartos (na qual sou também membro fundador); já recebi vários prêmios em concursos de poesia como intérprete e autora, com poesias premiadas e publicadas em antologias. Faço parte da Academia Lagartense de Letras, na qual tenho o orgulho de ocupar a cadeira Jornalista José Vicente de Carvalho, que também nomeia a nossa Biblioteca Pública Municipal, lugar este que, particularmente, me é muito especial.

Leciono desde a década de 90, atualmente no Pré-Universitário da SEED e também na rede pública municipal de Lagarto, além de manter serviços de consultoria e assessoria de gestão cultural e projetos da área.

 PLN: O que fez a senhora ingressar na carreira docente?

Angélica Amorim: Não posso dizer que foi vocação, ou escolha minha. A docência me escolheu quando, aos 15 anos, recebi como presente de aniversário do meu amado ex-professor de Química, Autran, um emprego como professora na extinta Escola Gente Pequena (sou de família humilde e desde muito cedo o trabalho faz parte da minha história), na época eu cursava o magistério na Escola Municipal Frei Cristóvão de Santo Hilário. Sou da máxima que, a tudo que se propõe, este, deve-se ser feito sempre da melhor e mais respeitosa forma possível. Dediquei-me à carreira e construo e reconstruo minha identidade docente até então.

PLN: Qual o maior desafio de um professor atualmente?

Angélica Amorim: Ser professor. Exercer nossa profissão com dignidade. Não no tangente ao salário, somente; pois o fim do trabalho não é os vencimentos, mas seu resultado. E enquanto resultado do exercício do magistério, o nosso, é a participação na formação de vidas, na orientação pedagógica de pessoas que, desde muito cedo, nos são direcionadas para tal finalidade. Dados aos novos conceitos – se posso assim chamar – ou distorções, do que se preconiza como valores e diretrizes escolhidas ou, fatidicamente impostos à sociedade, boa parte das pessoas estão ressignificando negativamente essa construção identitária do ser, o que nos leva a conviver com crianças e jovens ora agressivos, ora apáticos; adolescentes e adultos sem o ‘animus’ de uma boa perspectiva do que poderia ser seu futuro; a inversão dos papéis na formação desse ser, no que diz respeito à família e à escola. Claro que não de todo.

Outros desafios avassaladores são o descaso dos gestores públicos com a Educação e a ingerência dos recursos conforme as leis nas diversas esferas administrativas; além da construção e endeusamento de falsos mitos, sejam pessoas ou instituições, que usam a democracia e a educação como mote para suas tramas vis e intenções indecentes, esquecendo-se que, à margem de tudo isso, existe seres humanos que deveriam, eles sim, serem o foco da educação.

PLN: Na última Entrevista da Semana, Dr. Paulo Prata, presidente da Academia Lagartense de Letras, disse que somente o pagamento do piso salarial não é suficiente para garantir uma boa educação. A senhora concorda com essa tese? Por quê?

Angélica Amorim: Claro que sim. Um salário digno é preciso em qualquer profissão, no entanto diz respeito ao pagamento de um serviço prestado, seja ele qual for. Mas a palavra Educação carrega em si infinitas outras definições e responsabilidades. Escolas de qualidade, estrutura física adequada à série, formação e qualificação profissional contínua; creio neste último como item crucial dentro do processo, além de outros mais de suma importância.

PLN: O que dizer do reajuste de 11% proposto pela Prefeitura de Lagarto aos professores na última semana?

Angélica Amorim: Uma piada. Diante do proposto desde a campanha do atual gestor, diante de todas as tentativas de negociação da administração anterior rejeitadas pelos representantes da categoria, diante dos discursos contraditórios os quais tive a oportunidade de presenciar e analisar; já que pesquiso e trabalho com análise do discurso e construção do ethos discursivo.

PLN: A senhora também faz duras críticas ao Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Estado de Sergipe (Sintese) de Lagarto. Por quê? O quê o sindicato tem feito que não tem agradado a professora?

Angélica Amorim: Não cheguei, até então, a fazer duras críticas. Até o momento tenho observado, apenas. Mas diante do questionamento digo que a instituição não está representando a categoria como um todo. Não apenas eu, mas vários colegas se sentem da mesma forma. Eu busco meus companheiros de trabalho e os chamo para se filiarem, a resposta que ouço não a reproduzirei aqui. Não quero aqui descredibilizar a instituição, longe disso. Mas que ao longo do tempo, órgãos semelhantes são utilizados como instrumentos de manobra de massa e não como lugar de imparcialidade, que é o que eles realmente deveriam ser, isso é notório.

Na primeira assembleia que participei fui constrangida e ameaçada, além de ter minha imagem utilizada por uma pessoa da atual administração nas redes sociais de forma desonrosa e irresponsável, e essa disponibilização de vídeo e fotos foi feita por uma professora da instituição em questão, que atualmente é membro de uma coordenação interna do órgão e de cargo na atual gestão. Enfim, as providências necessárias já foram tomadas.

Nas demais participações que tentei fazer continuei sendo desrespeitada por grande parte dos colegas lá presentes, pois os mesmos não me enxergavam como tal, e sim como uma oposição. Ora bolas… estava dentro de um espaço de imparcialidade, acreditava ingenuamente eu! Ainda continuei insistindo, até porque tenho conhecimento de causa, mas percebi que posso gastar meu tempo com coisas melhores, como meu aperfeiçoamento profissional e meu trabalho com os alunos. Sem contar que a cada assembleia que eu vou, meus alunos ficam metade do turno sem aulas… ainda tenho que ver como é que os colegas fazem ou faziam… ou não, essa reposição.

PLN: Nos últimos anos os professores de Lagarto passaram por maus bocados, tendo inclusive os seus salários congelados. Entretanto, como a senhora tem analisado as próximas negociações entre a categoria e o executivo lagartense?

Angélica Amorim: Sim. Dias ruins. Como fiz parte da administração anterior, internamente também tínhamos nossa parcela de atuação buscando consensos, mas não é essa a pergunta.

Analiso em duas palavras: complacência e contradição.

Reprodução de palavras ouvidas em 2017: “não podemos, agora, ir para o tudo ou nada”.

Reprodução de palavras ouvidas nos últimos quatro anos: “ou é tudo, ou nada”.

Ainda estou tentando entender.

PLN: Mudando de assunto, a senhora é fundadora do Grupo Teatral Cobras & Lagartos. Qual a análise que a senhora faz desses anos de existência do grupo?

Angélica Amorim: Sempre positiva. Como todo grupo, altos e baixos são inevitáveis, mas superáveis.

PLN: Há algum tempo o público lagartense não assiste a uma apresentação teatral do Cobras & Lagartos, qual o motivo disso? Já há algum calendário de apresentações para a região?

Angélica Amorim: Na verdade nós nos apresentamos todos os anos e às vezes várias vezes… Todos os anos colocamos na praça o resultado de oficinas externas de formação ministradas por integrantes do grupo, gratuitamente, para crianças, jovens e adultos. Os autos de natal dos últimos quatro anos é um exemplo disso, nos últimos três anos possibilitamos a formação teatral através de cursos para quase 100 jovens. Outro espetáculo em cartaz da Cia é o Descortinando Sergipe que gira desde 2014 e participou recentemente do Encontro Cultural da cidade, esse mesmo espetáculo visitou várias escolas públicas da rede municipal e estadual, além de ter sido apresentado nas festas de setembro do ano passado, aniversários da cidade, por quatro vezes nas ruas da cidade e no Festival de Artes de Tobias Barreto. Além desse, também apresentamos dois esquetes teatrais nas escolas da região centro-sul, ano passado e em 2015, totalizando 120 apresentações nos últimos dois anos, só desses esquetes. Fora o Festival de Artes Cênicas de Sergipe, esse sim, há dois anos não participamos com espetáculo, mas atuamos na produção e representação de outros. Também desenvolvemos oficina de formação do ator com internos da Fazenda Esperança em 2015. Estamos na concepção de um espetáculo há dois anos, aguardando um anjo financiador.

PLN: Quais as dificuldades de se produzir cultura em Lagarto e em Sergipe?

Angélica Amorim: As pessoas acham que a gente tem que fazer de graça porque fazemos com amor.

Graças a Deus, e aos esforços de alguns, temos hoje integrantes do grupo que vivem do teatro, humildemente, mas honrosamente.

Fazer arte é caro, o público nem sempre entende. Encontrar patrocinadores, financiadores é o mais difícil. Todos querem aplaudir e rir, mas são poucos os que querem produzir e entendem os custos disso.

PLN: O que esperar e o que dizer do Cobras & Lagartos?

Angélica Amorim: Sempre esperem o melhor, e o que eu posso dizer: é que a cena pulsa.

PLN: Mudando de assunto, a professora também é imortal da ALL, que ainda não possui sede própria. Como isto tem dificultado aquela casa de imortais?

Angélica Amorim: Conheço bem as auguras de não ter sede própria – a Cia de Teatro ainda não tem, também.

Temos muitos projetos que podem ser colocados em prática com uma sede própria, a ausência temporária de um lugar nosso faz com que declinemos da execução destes e de outros que beneficiarão a população do município.

Mas os dias sem sede estão contados. O Governo de Sergipe, através de Jackson Barreto, doou o prédio do antigo Grupo Escolar Silvio Romero para a Academia. Em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura, a Secretaria de Estado do Turismo e o Governo Federal, através do deputado Fabio Reis, já captamos parte do recurso para a reforma e restauração desse patrimônio da nossa cidade.

 PLN: Para a senhora, qual o significado de fazer parte da ALL? O que dizer dos novos imortais eleitos?

Angélica Amorim:  Significa uma corresponsabilidade com a construção da história de Lagarto . Nós não somos uma Academia comum. Algumas pessoas, por vezes, podem não entender ou supor que somos apenas um grupo de pessoas que se intitularam “imortais”. Mas somos mais que isso, somos agentes culturais em função de um benefício para a população.

Meus novos confrades e confreiras, para mim, são mais oxigênio e energia para a concretização dos objetivos da Academia, fiquei muito feliz e satisfeita com o resultado do processo de seleção, espero que no próximo possamos receber mais pessoas de tão grande estima.

PLN: Para encerrar, qual a mensagem a senhora deixaria para o povo de Lagarto?

Angélica Amorim: Quero relembrar o slogan da extinta ASCLA, Associação Cultural de Lagarto, que dizia: “Ser culto, para ser independente”. Não vou sobrecarregar a palavra “culto”, pois não percebo elitização em seu cerne, culto para mim, é não aquiescer sem pensar, sem discutir, sem esgotar as probabilidades e as saídas, mas sem, antes de tudo, respeitar o outro. Respeitar o outro lhe dá a liberdade de ser independente, mesmo que o outro não pense como você. Sugiro aos jovens que leiam, leiam muito, leiam coisas boas e ouçam músicas que engrandeçam, mas que as pratiquem também, sem hipocrisias, nem demagogias. Nós precisamos amar a nossa cidade e preservar os bens que possuímos, incluindo nosso maior bem, que somos nós mesmos, nossa lagartinidade é o nosso legado.

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