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Irmã Claudira Ribeiro: “A vida para mim é essencial, é tudo, a vida é bela”
28 de fevereiro de 2016 - 15:11, por Marcos Peris
A entrevista desta semana é com a Irmã Claudira Ribeiro (59), 32 dedicados ao convento. Despertou para a religião aos 20 anos, sendo que com 22 realizou os primeiros votos na paróquia da Colônia 13 e aos 25 fez os votos perpétuos e se tornou freira.
Natural de Lagarto morou na fazenda Piauí que era de um dos coronéis de Lagarto, Acrísio Garcez. Sexta irmã de 14 filhos de Dona Pureza, muito religiosa, e assim que o pai faleceu, a família foi migrando para outras regiões e para a sede do município de Lagarto. Irmã de outra missionária que está na África. Claudira nasceu no Monsenhor Daltro.
Lagarto Notícias: Quem é a irmã Claudira Ribeiro?
Claudira: Sou uma religiosa, tenho 59 anos de idade e de vida religiosa em convento 26. Desde que comecei com as irmãs nessa Congregação Italiana que chegou a Lagarto em 1980, a convite de Dom Mário que na época era pároco daqui. Elas [Irmãs de Congregação] chegaram à Diocese de Paripiranga em 1975, mas em 1980, Dom Mário as convidou para fixar o Instituto Pias Rosa Venerini aqui na paróquia dele. Então foi transferido de Paripiranga para cá. E esse ano estamos concluindo, justo agora em fevereiro, os 40 anos dessa missão, na cidade, das irmãs, faço parte dessa família até porque dos meus 59 anos quase metade da minha vida eu dediquei a ela.
LN: Com quantos anos a senhora escolheu ser freira e por quê?
Claudira: Até os 19 anos eu fugia, nem dava sinal, embora tivesse aqui as irmãs franciscanas, mas para o interior era algo muito distante, os meios da época não ofereciam oportunidades, eu morava na fazenda Piauí localizada na fronteira entre Lagarto e Boquim. E aos 20 anos, quando as irmãs chegaram, me despertou um sentimento, mas o que me despertou não foi tanto às irmãs, foi o engajamento da igreja naqueles anos. Naquela época a igreja tinha uma caminhada bonita. Até hoje quando dou um testemunho sobre a minha vocação, eu sempre digo que nasci num período bonito da igreja, ali no final dos anos 70 início dos anos 80, estava havendo uma caminhada no auge da concretização e da vivência aqui no Brasil da novidade da igreja que foi o Vaticano II com a caminhada da América Latina. A América Latina fez uma caminhada que os outros países não fizeram. Na época Dom Mário era o pároco, a igreja era efervescente e nós fomos catequisados, como na história do Brasil, pelos missionários que vinham de fora, primeiro os religiosos, depois as congregações femininas com o Vaticano II. Diante disso, abriram- se os conventos e foi despertada essa vocação para a vida religiosa. Naquela época os jovens eram muito efervescentes, em cada comunidade existia um grupo de jovens que se reuniam todas as semanas e estavam motivados também pelo pároco e pela paróquia. Naquela época Lagarto tinha apenas uma paróquia, então os encontros eram riquíssimos a nível de paróquia, de território. E eu surgi naquele movimento juvenil no início dos anos 80.
LN: Então a sua vocação despertou aos 20 anos? E quando se tornou freira também?
Claudira: Despertou a vocação aos 20 anos, fiz os meus primeiros votos em fevereiro de 1984 porque antes tinha um período de preparação, a gente entra e vai se adaptando, estudando, lendo, fazendo experiência, conhecendo a congregação e depois, com dois anos, faz a formação canônica.
LN: Na sua formação a senhora tinha quantos anos?
Claudira: Na época eu tinha 22 anos, aí deixei esse convento [Pias Rosa Venerini] que foi inaugurado em 1982 e fomos para Salvador. Por lá chegou mais uma irmã italiana e tinha eu e mais duas jovens baianas que vieram de Paulo Afonso e que hoje são missionárias.
LN: Mas antes de seguir a vida religiosa, a senhora tinha outros planos para o seu futuro?
Claudira: Tinha, foi preparado até um jantar para o meu noivado, mas o pedido não saiu.
LN: Por quê?
Claudira: (risadas)
LN: Então a senhora iria casar ao invés de ser feira?
Claudira: Iria. Eu tive uma vida muito normal, mas não se compara com a juventude de hoje. Naquele tempo, antes dos 15 anos, nós não tínhamos nada de namoro, só aquelas paqueras, mas para namorar tinha que apresentar aos pais, levar na porta e tal. Já namorei pessoas que hoje estão casadas, hoje são pais de família aqui na região de Lagarto. Tive uns três namorados e o último, que durou muito, era de lá da comunidade [onde hoje é a Colônia 13], filho de uma família muito conhecida, hoje ele está casado e a primeira filha dele veio ser freira no nosso convento. Então ela acabou sabendo depois que foi com o pai dela que eu quase casava.
LN: Durou quanto tempo esse relacionamento que culminou no ‘quase casamento’?
Claudira: Namorei com ele, antes dos 20 anos, duas vezes. A gente namorava e terminava e quando despertou para ser freira, eu tava com ele, mas foi mais forte o chamado e eu segui. Quando eu decidi seguir o chamado, ele tentou impedir, mas não deu certo e, por isso, que eu acredito em Deus.
LN: Ele queria mesmo casar com a senhora?
Claudira: Não cheguei a por aliança, mas teve um jantar e tal, a família dele foi à minha casa, mas não saiu o casamento.
LN: Para se dedicar a vida religiosa é necessário renunciar algumas coisas. Dentre essas renúncias, qual delas a senhora sentiu mais dificuldade e/ou falta?
Claudira: É uma revirada que se dar na vida, eu tinha consciência da renúncia total, da renúncia ao casamento, mas eu tinha uma paixão maior, tinha algo que não era definido o quê que era, mas com o apoio das irmãs que chegaram do incentivo da igreja, através da realidade. Desde quando eu fui professora no interior pelo município, quando entrei no convento eu era professora e consegui levar adiante naquele período em que ainda estava em formação e quando eu fui para a Itália consegui a aposentadoria pelo município com meus 23 anos. Juntando tudo, então consegui aquela aposentadoria e segui a minha vida religiosa fora do Brasil.
LN: A senhora teve que renunciar a várias coisas. Dentre essas coisas, qual delas a senhora teve mais dificuldade?
Claudira: A primeira coisa foi a renúncia da família que pesou de início. Final de semana é final de semana, eu amava meu domingo na juventude, acho que ainda tenho esse espírito de viver a vida. A vida para mim é essencial, é tudo, a vida é bela. Venho de uma família muito humilde que aos poucos foram conquistando suas coisinhas, minhas irmãs foram migrando, como qualquer nordestino, para o Rio de Janeiro porque aqui não tinha facilidade para estudo, naquela época tudo era difícil, bolsa de estudo não chegava para o pobre, as que chegavam eram apontadas a dedo e os políticos distribuíam para quem bem entendiam, muito diferente de hoje. Quando entrei no convento o final de semana era pastoral, tem que ajudar o pobre, e a área que escolheram para a gente era o Campo da Vila e a gente se lançava no Corte [atual bairro Matinha] com aquela ação caritativa. Tínhamos que evangelizar o pobre, fazer caridade e trilhar o caminho e a opção pelo pobre que o evangelho fala. Então eu fui sentindo depois a renúncia do meu ritmo de vida jovem, quando eu era professora, e ao domingo eu passeava, ia para os encontros de jovens, era o dia de conversar, se encontrar com os amigos. Na época eu gostava muito de forró, futebol e política, que eram três paixões do meu pai e que eu herdei. E meu pai, não era muito católico e levava a gente para os jogos, e lá a gente conhecia novas pessoas, paquerava e tal.
LN: Então podemos dizer que foram os eventos da igreja que fizeram à senhora superar a falta dessas coisas típicas da juventude?
Claudira: Sim, porque quando eu deixei tudo para entrar no convento, eu comecei a trabalhar aqui nas salas de aula com as crianças, eu ensinava tudo da primeira à quarta série, então tudo era com as professoras, nós éramos catequistas, era organizadora de tudo, eu era uma figura exemplar e muito dedicada. E depois das caminhadas e dos grupos de jovens aumentou mais ainda o trabalho, eu sempre tive uma paixão para ajudar os necessitados, desde quando eu nem sonhava em ser freira. Então uma parte de tudo isso vem da família, da formação da pessoa.
LN: E como ficou o seu fim de semana no convento?
Claudira: Os finais de semana ficaram totalmente para a evangelização, e para a igreja. As brincadeiras e recreações eram em convento, o forró e o São João, que eu muito amava, era com as irmãs. Até hoje não deixamos de organizar o São João, seja na escola ou no convento.
LN: Algumas meninas dizem que vão ser freira. E aí surge uma dúvida, como é que é a vida num convento?
Claudira: É uma vida regrada, a palavra já diz. Não é à toa quando a gente sai de férias, a gente sente a diferença. Em casa você pode acordar um pouco mais tarde, pode atrasar um pouquinho mais, mas a vida regrada é não poder passar do almoço de meio dia. Então o convento tem essa vida bem regrada, organizada.
LN: Acordando na hora certa
Claudira: Isso. Somente um dia que nós temos na semana, como os padres têm na terça-feira, as irmãs têm o domingo para ficar sem aquele compromisso de acordar naquele horário certinho em que tocou o sino: desce, reza, meio dia estão todos na mesa, pode atrasar alguma que está fora em algum compromisso, mas tem que estar na mesa porque a partir das 13 horas já tem outro turno. À noite, nas casas de família não tem horário certo para jantar, mas no convento nós temos horário para jantar, a diferença de horário vai de convento para convento que pode ser às 18, ou às 19 horas.
LN: Então é uma vida cronometrada?
Claudira: Sim. Do domingo ao domingo, com exceção da ‘folga’ quando cada uma se organiza da forma que convier, mas quando dá 17h30 o sino toca e quem estiver fora deve chegar pra rezar, e às 18 horas jantar. Além de realizarmos um passeio anual.
LN: Qual o momento mais especial que a senhora já viveu em todos esses anos?
Claudira: O momento mais especial foi quando eu fiz a minha consagração, que depois de cinco anos e meio você decide se quer seguir definitivamente, e uma vez que eu decidi definitivamente fiz os meus votos perpétuos para professar perpetuamente a palavra. Isso marcou a minha vida. Além disso, iniciei os meus trabalhos, após a formação em Salvador, aqui em Lagarto na Paróquia de Nossa Senhora da Piedade.
LN: Sabemos que a senhora foi à África. Como foi essa experiência?
Claudira: Eu tinha até medo da África, nunca me coloquei para ser missionária na África porque nossa missão era na República de Camarões, e a minha companheira, colega de formação, éramos três, Maria José, três anos depois de professar, pediu uma missão na África. Então ela foi trabalhar lá com os leprosos, e eu temia porque a África é o foco de muitas tragédias, e eu pensava muito em ajudar a construir os meus pais. Sempre fui muito nacionalista, tanto que quando fui morar na Itália, as pessoas me chamavam atenção, eu queria acompanhar o desenrolar da história do meu país porque eu me criei numa fazenda em que via meu pai e minha mãe trabalhando para um coronel. A experiência na África foi em 2007, nessa época eu morava na Itália, pertinho do Vaticano, em 2001 fui eleita para representar o Brasil no Conselho Geral por cinco anos. Eu peguei uma licença sem remuneração até 2007, e retornei porque não fui reeleita.
LN: A senhora temia a África, mas o quê que a senhora fez lá?
Claudira: Uma coisa é falar da África, outra coisa é pisar na África. E Quando eu cheguei lá, nós ficamos numa cidade próxima da capital chamada de Ebolowa Sud, na República de Camarões, próximo da Nigéria. Então nós desenvolvemos um trabalho com os leprosários, e minhas irmãs tinham muito cuidado comigo porque eu não sou tão forte assim contra doenças e lá tem de tudo. O cuidado delas era, principalmente, com o mosquito Filaria que causa Elefantíase, então elas me davam muito repelente.
LN: Como a senhora foi parar na África?
Claudira: Na época eu morava na Itália. Estive na África, por ocasião da canonização da nossa fundadora em 2006. A canonização veio através de um milagre da nossa santa sobre um garoto de nove anos lá na África durante um desses nossos trabalhos com os leprosados, no qual essa criança foi curada com a intervenção da nossa irmã fundadora. Depois teve a festa de canonização, em seguida fizemos um roteiro e organizamos uma programação especial na região onde a nossa irmã fundadora realizou o seu milagre. Nessa ocasião, eu estive na África acompanhando nossa irmã brasileira, Maria José que queria ser missionária na África e que diz que quando morrer quer sem enterrada lá.
LN: Após passar 12 dias na África, com qual a visão que a senhora retornou sobre aquele lugar?
Claudira: Sim, eu não encontrei nenhum africano se lamentando, chorando, não. É um povo tão vivaz que você percebe que a Bahia, realmente, tem um pedacinho da África porque, na época que eu fui, nós fomos à capital e eu vi que não tem como estranhar a cultura do africano, além disso, entendi melhor as nossas raízes afro e a África. Entendi a história e o quanto eles ficaram tristes ao chegar aqui porque eles trazem a alegria, é um povo muito alegre, as mulheres lá tem vez e os homens ficam em casa, 8 março as mulheres vão pra rua e os homens ficam em casa, parece aqueles blocos de rua festejando, dançando, e tudo com muito respeito.
LN: Então o momento que mais te marcou nessa viagem foi perceber que a cultura brasileira é muito ligada à cultura brasileira?
Claudira: Sim. Não tem como negar o nosso sangue africano. Quando eu olhava os meninos na escola, a negrada, no bom sentido, parecia um formigueiro, esses meninos nos ensinavam os seus jogos, as suas danças. Você se encanta com os africanos, para eles não importa se não tem nada, mesmo naqueles humildes vilarejos a alegria é contagiante. A África me ensinou muito. Eles são muito alegres, uma missa na África parece uma festa.
LN: Atualmente, qual a dificuldade de evangelizar os jovens?
Claudira: Na minha época havia uma efervescência dos jovens na igreja, hoje faltam jovens na igreja. Então a maior dificuldade hoje é trazer os jovens para a igreja, para os grupos de jovens e demais eventos da igreja.
LN: Qual a mensagem que a senhora gostaria de deixar para o povo de Lagarto?
Claudira: A primeira coisa é para que as famílias e os jovens não percam a esperança. A esperança de uma cidade melhor, de um país melhor seja politicamente, religiosamente ou socialmente. Além de expressar o nosso olhar de gratidão para a sociedade lagartense que sempre tem nos ajudado a desenvolver o nosso trabalho pastoral, e dizer que as nossas portas estão abertas para quem quiser nos fazer uma visita e/ou nos conhecer.